por Eduardo Klausner

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

SENTENÇA DE CASSAÇÃO DE REGISTRO ELEITORAL DE PREFEITO MUNICIPAL CANDIDATO A REELEIÇÃO: abuso de poder político e econômico por utilização de propaganda oficial em benefício da própria candidatura

APRESENTAÇÃO





Considerando o período eleitoral e o interesse demonstrado pelos nossos leitores em Direito Eleitoral, que rapidamente alçou a publicação da sentença de cassação de registro eleitoral de candidato a vereador ao ranking das dez publicações mais lidas do blog, publicamos hoje a presente sentença que cassou o registro do Prefeito Municipal candidato a reeleição em 2004, no Município de São Gonçalo – RJ. Os recursos interpostos às instâncias superiores não obtiveram sucesso e a condenação foi mantida.
Lembramos que o Município de São Gonçalo possui o segundo maior colégio eleitoral do estado do Rio de Janeiro, só perdendo para o da capital, com mais de 500.000 eleitores e mais de 1.000.000 de habitantes.
Entre as questões controvertidas destacam-se as seguintes, resolvidas pela sentença: utilização de propaganda oficial para beneficiar a própria candidatura por associação de ações institucionais e administrativas a slogan e símbolo que remetem a pessoa do candidato; utilização de dinheiro e bens públicos para veicular a propaganda; propaganda antecipada; e o fato do candidato não ter apresentado bom desempenho no curso das pesquisas eleitorais e posteriormente na votação, não tendo sido reeleito.










TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO DE JANEIRO

69ª ZONA ELEITORAL DO MUNICÍPIO DE SAO GONCALO



S E N T E N Ç A



Processo n. 166/04




Vistos, etc.






O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio dos Promotores Eleitorais lotados no Município de São Gonçalo junto a 69a. Zona Eleitoral, com fulcro na Constituição Federal e na Lei Complementar n. 64/90, propôs AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL POR ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL em face de HENRY CHARLES ARMOND CALVERT e DOMÍCIO MASCARENHAS DE ANDRADE, devidamente qualificados na inicial, candidatos a Prefeito e Vice-Prefeito do Município de São Gonçalo no pleito eleitoral de 2004, alegando, em suma, que, a partir do final de 2003 e início de 2004 foram praticados os seguintes ilícitos: 1) colocação em várias ruas do município de São Gonçalo de outdoors alusivos a atuação da Administração municipal com promoção do primeiro investigado, Prefeito Municipal, mediante a utilização de símbolo “engendrado pela Prefeitura para remissão à notória profissão do primeiro Investigado, símbolo este consistente em um médico com os braços abertos, uma pá em uma das mãos, e um estetoscópio ao pescoço, a formar a logomarca oficial da Prefeitura de São Gonçalo”; 2) colocação de placas em vários postes de sinalização semafórica para divulgar a atuação do primeiro investigado a frente da Prefeitura Municipal; 3) realização de propaganda antecipada pelos meios acima citados e em ônibus, sempre usando a sua logomarca em destaque junto com o nome “Prefeitura de São Gonçalo”; 4) envio de oitenta mil cartas para famílias de São Gonçalo comunicando a isenção de tributo municipal utilizando slogans eleitorais e a alcunha eleitoral empregada para as eleições de 2000: Dr. Charles, valendo-se dos recursos públicos municipais; caracterizando assim abuso de poder econômico e político e uso indevido de meios de comunicação social em favor da candidatura de sua chapa às eleições municipais, quebrando a isonomia entre os participantes do pleito eleitoral. Requer a procedência do pedido para que seja decretada a inelegibilidade dos investigados para essa eleição e para as que se realizarem nos próximos três anos, e cassado os seus registros para a eleição municipal de 2004, na forma do inciso XIV, do artigo 22 da Lei Complementar n. 64/90. A inicial veio acompanhada pelos documentos de fls. 16/140.

Resposta do Investigado às fls. 142-152 e 153-166, acompanhada de documentos, na qual argumenta, preliminarmente, litispendência com as impugnações RC9001 e RC9002 e Processos Administrativos n. 05, 14 e 07, de 2006, e ilegitimidade ativa; e, no mérito que a suposta propaganda irregular extemporânea foi realizada antes do início do processo eleitoral, motivo pelo qual é incompetente a Justiça Eleitoral para processar e julgar o feito, e não existir qualquer abuso de poder econômico pois a propaganda realizada é institucional. Argumenta que o bonequinho citado na inicial é utilizado desde o início do mandato e que o mesmo não é irregular, bem como não é utilizado na propaganda eleitoral dos investigados. Sustenta, ainda, que a divulgação das realizações da Administração Municipal é direito do contribuinte e que tal propaganda não favoreceu os candidatos. Requer a improcedência da investigação.

Manifestação do M.P.E. às fls. 192 e 195, verso. Às fls. 199 o réu ratifica a peça de defesa acostada às fls. 153-166. Certidão de fls. 202 do Cartório Eleitoral informando que os processos ns. 9001-RC e 9002-RC, impugnando a candidatura dos réus, foram julgados extintos sem julgamento do mérito. A cópia da sentença nos citados processos foi acostada às fls. 203-210. Decisão saneadora às fls. 213, verso, na qual foi rejeitada a exceção de litispendência. Audiência de Instrução e Julgamento às fls. 237, onde foi rejeitada exceção de litispendência oposta pelo réu com base em ação em curso na 4a. Vara Cível desta Comarca e apresentadas alegações finais.

Relados, decido.

As preliminares opostas em contestação já foram repelidas quando do saneamento do processo. No mérito, as provas carreadas na inicial demonstram a saciedade que efetivamente o primeiro investigado, valendo-se de sua condição de Prefeito Municipal candidato a reeleição, utilizou de meios de propaganda institucional para promover a candidatura de sua chapa nas eleições municipais de 2004. Os próprios réus em sua defesa não negam terem praticado os atos que lhes são imputados pelo Ministério Público. A controvérsia versa apenas sobre se tais fatos seriam, ou não, propaganda irregular a ponto de permitir a cassação do registro eleitoral e a aplicação da pena de inelegibilidade previstas na LC n. 64/90.

Neste aspecto, as condutas descritas na inicial efetivamente tipificam propaganda ilícita, vedada pelo artigo 37, parágrafo 1o. da Constituição Federal e pela lei eleitoral. A imagem de um boneco representando um operário com um estetoscópio no pescoço (fls. 62-72 e 112-113) em placas de obras públicas indubitavelmente remete a notória profissão de médico do primeiro investigado, que inclusive se identifica eleitoralmente como “Dr. Charles”, vinculando a imagem do Prefeito e médico com a Administração municipal em iniludível promoção pessoal, da qual, sem dúvidas, também se beneficiou o segundo réu. O mesmo ocorre nas milhares de cartas que o primeiro réu, na qualidade de Prefeito Municipal, enviou aos munícipes concedendo isenção de IPTU em época próxima às eleições. Frise-se que os réus foram condenados pelo Juiz Eleitoral da 87a. Zona Eleitoral, responsável pelo julgamento das reclamações atinentes a propaganda irregular para as eleições municipais de 2004, pela prática das infrações que fundamentam a presente ação (sentença às fls. 131-133). Por outro lado, mesmo a propaganda extemporânea é da competência da Justiça Eleitoral sempre que visar a captar a vontade do eleitor para o pleito que virá, pois esta propaganda objetiva beneficiar uma chapa deslealmente e desequilibrar a disputa eleitoral futura.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral também considera a propaganda acima citada ilícita e competente a Justiça Eleitoral para processar e julgar os seus autores, in verbis:




“I – Publicidade institucional abusiva (CF, art. 37, § 1o, c.c. Lei no 9.504/97,art. 74) e propaganda eleitoral extemporânea (Lei no 9.504/97, art. 36, § 3o),substantivadas – segundo o acertamento de fatos pelas instâncias de mérito– em excessos dos eventos comemorativos da celebração de convênios firmados com o governo da União e o município, assim como de sua divulgação, com finalidade de promoção de pré-candidato à Prefeitura: sanções de multa e inelegibilidade impostas, sem violação das normas legais aplicáveis, ao prefeito da época – responsável pela organização e o dispêndio de recursos públicos nas festividades e ao pré-candidato a prefeito, beneficiário dos abusos administrativos e partícipe de sua perpetração e divulgação eleitoreira (LC no 64/90, art. 22, XIV). II – Irrelevância, nas circunstâncias, de serem os fatos abusivos anteriores à escolha e registro da candidatura, que se afirmou beneficiada por eles, assim como de a circunstância de julgamento da investigação judicial ter sido posterior ao pleito, no qual sucumbiu. (...) VI – Inexistência de propaganda eleitoral extemporânea do pré-candidato a prefeito no pronunciamento pelo ministro de Estado, fora do período de campanha, de frase de mera simpatia ou solidariedade à sua eventual candidatura.”

(Ac. no 19.502, de 18.12.2001, rel. Min. Sepúlveda Pertence.)



“Propaganda antecipada. Distribuição de panfletos. Incidência do art. 37 da Lei no 9.504/97. Preliminares de incompetência do juiz e cerceamento de defesa rejeitadas. Configuração de propaganda eleitoral, mesmo quando realizada em período anterior ao registro dos candidatos. Recurso não conhecido.” NE: “Pelos trechos dos panfletos registrados pelo Tribunal Regional, verifica-se claramente o pedido de apoio para os ‘próximos 4 anos’, configurada, pois a propaganda eleitoral antecipada.”

(Ac. no 19.376, de 21.8.2001, rel. Min. Fernando Neves.)





“Investigação judicial. Prefeito candidato à reeleição. Uso de caracteres pessoais em bens públicos. Cores. Iniciais do nome. Slogans de campanha. Princípio da impessoalidade. Art. 37, § 1o, da Constituição da República. Desobediência. Abuso do poder político. Art. 74 da Lei no 9.504/97. Fatos ocorridos no período de campanha eleitoral. Competência da Justiça Eleitoral. (...) Sentença proferida e reformada pelo Tribunal Regional antes do pleito. Competência da Justiça Eleitoral assentada por decisão do TSE.
Nova decisão da Corte Regional confirmando a sentença. Cassação do registro. Possibilidade. Art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar no 64/90.”

(Ac. no 4.271, de 29.5.2003, rel. Min. Fernando Neves.)





“Consulta. Secretário-geral do PPB. Acarreta inelegibilidade multa decorrente de propaganda eleitoral irregular, com trânsito em julgado. Os casos de inelegibilidade estão previstos na Lei Complementar no 64/90 e na Constituição Federal. Respondida negativamente.”

(Res. no 20.979, de 14.2.2002, rel. Min. Carlos Madeira.)




Este tipo de propaganda, que também pode caracterizar improbidade administrativa a ser apurada e punida em ação própria da competência da Justiça Estadual, tipifica ilícito eleitoral, face ao disposto no artigo 74 da Lei n. 9.504/97 que expressamente afirma configurar abuso de autoridade para os fins da Lei Complementar n. 64/90 a infringência do parágrafo 1o. do artigo 37 da Constituição Federal. Cumpre assim a Justiça Eleitoral punir cabalmente o infrator, aplicando-lhe a cassação do registro eleitoral prevista no citado artigo 74, somado a pena prevista na Lei Complementar n. 64/90, artigo 22, XIV, de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos três anos subseqüentes.

Ressalte-se que o fato dos réus não terem se apresentado bem nas pesquisas eleitorais, como afirma a defesa, durante o pleito, bem como não serem posteriormente eleitos, não torna o ilícito menos censurável, ou os infratores isentos da sanção. Há muito esta visão utilitarista de que a infração só seria punível se efetivamente desequilibrasse a disputa eleitoral está superada. Num Estado que pretende ser efetivamente de Direito, no qual se espera dos governantes uma postura ética e escorada na lei, a sanção se justifica para punir a conduta ilegal e desleal do administrador público que usa do cargo que transitoriamente ocupa para, com dinheiro público, tentar obter vantagem em detrimentos dos demais concorrentes e, principalmente, em detrimento do processo democrático, fundamento do Estado brasileiro.

Nesse sentido a melhor jurisprudência, in verbis:




“(...) Abuso do poder econômico. Inelegibilidade. Tratando-se de práticas ilegais, configuradoras de abuso do poder econômico, hábeis a promover um desequilíbrio na disputa política, não é de exigir-se o nexo de causalidade, considerados os resultados dos pleitos (recursos especiais nos 12.282, 12.394 e 12.577). (...)”

(Ac. no 11.469, de 21.5.96, rel. Min. Costa Leite.)



“Embargos de declaração. Omissão, obscuridade e dúvida. Ausência. Efeitos infringentes. Excepcionalidade. Rediscussão da causa. Impossibilidade. Embargos rejeitados.” NE: Tratava-se de propaganda institucional divulgada em período vedado. “(...) De igual modo, não subsiste a omissão quanto aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O acórdão embargado considerou que, em se tratando da prática de conduta vedada, é irrelevante a potencialidade para influir no resultado do pleito, quanto mais o custo da propaganda ou o ressarcimento dos cofres públicos. (...)”

(Ac. no 21.380, de 26.8.2004, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)



“(...) Conduta vedada. Prefeito. Publicidade institucional. Período proibido. Art. 73, inciso VI, alínea b, da Lei no 9.504/97. Desnecessidade. Verificação. Potencialidade. Desequilíbrio. Pleito. (...) 2. Não é preciso aferir se a publicidade institucional teria potencial para afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, na medida em que as condutas descritas pelo legislador no art. 73 da Lei das Eleições necessariamente tendem a refletir na isonomia entre os candidatos.”

(Ac. no 21.536, de 15.6.2004, rel. Min. Fernando Neves.)



Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido do Ministério Público Eleitoral para CASSAR o registro dos candidatos Henry Charles Armond Calvert e Domício Mascarenhas de Andrade para concorrer nas Eleições Municipais de 2004 ao cargo de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de São Gonçalo, bem como para DECRETAR a inelegibilidade dos Réus para essa eleição e para as que se realizarem nos próximos três anos.

Custas ex lege.

P.R.I.C.

São Gonçalo, 30 de março de 2006.



Eduardo Antônio Klausner

Juiz Eleitoral




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