por Eduardo Klausner

quarta-feira, 28 de julho de 2010

SALA DE AULA - EMERJ - MATERIAL DE CLASSE - Turma CPVI B 22010 – AULA DE 28/07/2010 SOBRE INTERPRETAÇÃO, REVISÃO E RESOLUÇÃO DE CONTRATOS DE CONSUMO

PLANO DE AULA

PROFESSOR


EDUARDO KLAUSNER
Juiz de Direito do TJERJ e Professor da ESAJ e da EMERJ. Bacharel, Mestre e Doutor em Direito pela UERJ. Autor de livros e artigos jurídicos.
Endereço para dúvidas, material de classe e debate jurídico: eaklausner@tjrj.jus.br; http://www.eduardoklausner.blogspot.com/.

DISCIPLINA

DIREITO DO CONSUMIDOR

EMENTA


REVISÃO E EXTINÇÃO DO CONTRATO NO CDC. LESÃO E QUEBRA DA BASE DO NEGÓCIO. A ONEROSIDADE EXCESSIVA. O DIREITO DE ARREPENDIMENTO. A CLÁUSULA RESOLUTIVA NO CDC. O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DO CONTRATO. DA INTERPRETA ÇÃO DOS CONTRATOS NO CDC.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA


1) BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima, e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor, RT:S.Paulo. 2) MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT:S.Paulo. 3) GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Rio:ForenseUniversitária. 4) CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor, 2008, S.Paulo:Atlas.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

1) KLAUSNER, Eduardo Antônio. Reflexões sobre a proteção do consumidor brasileiro nas relações internacionais de consumo. In TIBURCIO, Carmen e BARROSO, Luís Roberto (organizadores). O Direito Internacional Contemporâneo: Estudos em Homenagem ao Professor Jacob Dolinger, 2006, Rio: Renovar, p. 375-419. 2) KLAUSNER, Eduardo Antônio. Direitos do Consumidor no Mercosul e na União Européia: acesso e efetividade. 2006, Curitiba:Juruá. 3) BOURGOIGNIE, Thierry. A Política de Proteção do Consumidor: desafios à frente. Revista de Direito do Consumidor n. 41, jan.-mar./2002, São Paulo:RT.4) KLAUSNER, Eduardo Antônio. Para uma Teoria do Direito Internacional do Consumidor:a proteção do consumidor no livre comércio internacional. 2010. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.








1) Da interpretação dos contratos no CDC:

1.1) Princípios jurídicos fundamentais e diretores do sistema jurídico de proteção ao consumidor que influenciam direta ou indiretamente a interpretação contratual de maneira decisiva[1]:

1) O princípio da vulnerabilidade do consumidor, sobre o qual se alicerça a legitimidade e a justificativa para a proteção do consumidor.

2) O princípio da defesa do consumidor pelo Estado, que justifica e norteia a intervenção do Estado no mercado e na relação de consumo para proporcionar efetiva proteção ao consumidor.

3) O princípio da segurança, que assegura ao consumidor o direito a consumir produtos e serviços que não sejam passíveis de ameaçar ou acarretar lesão a sua vida, saúde ou patrimônio.

4) O princípio da boa-fé e lealdade na prática comercial, que impede práticas desonestas e abusivas nas relações entre fornecedores e consumidores.

5) O princípio da informação, que dá ensejo e fundamento a inúmeras regras, uma vez que a autonomia do consumidor, a sua soberania e liberdade de escolha, bem como a sua proteção, exigem que o consumidor esteja muito bem informado sobre todas as peculiaridades da relação de consumo, o que significa estar plenamente informado sobre termos contratuais, garantias, qualidades do produto, normas de segurança na utilização do bem, riscos na utilização do bem (especialmente os perigosos ou os que causam ou possam causar danos a saúde e a integridade física própria e de terceiros), preço, quantidade, composição e origem do bem, ao mesmo tempo em que impede condutas abusivas e enganosas por via da publicidade[2]. O desequilíbrio na relação entre profissionais e consumidores dá-se em boa parte em razão da desigualdade na informação, pois os profissionais conhecem o mercado e o bem que fornecem e o consumidor não, o que faz da informação um fator de transparência do mercado (e não exatamente um princípio[3], pois a transparência é a conseqüência).

6) O princípio da boa-fé objetiva e o do equilíbrio contratual, que assegura ao consumidor liberdade de escolha, proteção contra cláusulas abusivas ou desproporcionais e contra a onerosidade excessiva, protegem a confiança do consumidor no vínculo contratual e suas legítimas expectativas decorrentes do contrato[4].

7) O princípio da efetiva reparação de danos materiais e morais, que implica dar uma real satisfação ao consumidor lesado, indenizando-o materialmente e moralmente[5], superando-se formalismos legais que de fato levem à frustração da reparação da vítima e que abarcam questões de direito material e de direito processual, como, v.g. a desconsideração da pessoa jurídica em processo de conhecimento ou em processo de execução[6], e o reconhecimento da responsabilidade objetiva e solidária de todos os fornecedores envolvidos na colocação do produto ou serviço no mercado.

8) O princípio do efetivo acesso à Justiça e defesa judicial dos direitos dos consumidores[7], o que significa assegurar ao consumidor a possibilidade de litigar no juízo do seu domicílio, em juizados especiais para causas de pequeno valor ou de consumo por meio de assistência judiciária gratuita ou de baixo custo e por meio de um processo civil pouco burocratizado e de solução mais ágil que o habitual, com o direito à inversão da prova ou com a presunção de culpa do fornecedor como padrão para a responsabilidade civil, e ainda, assegurar ao Estado que direitos consumeristas coletivos, transindividuais e difusos possam ser pleiteados e garantidos por órgãos públicos e privados legitimados para a defesa dos interesses dos consumidores, por meio de ações próprias, tais como a class action do direito estadunidense e as ações coletivas e civis públicas do direito brasileiro[8]. Tal princípio torna abusiva qualquer cláusula restritiva ao acesso a justiça, como, por exemplo, a que disponha sobre mediação ou arbitragem compulsória, ou cláusulas de eleição de foro que dificultem ou impeçam de fato o acesso do consumidor à Justiça.

9) O princípio do consumo sustentável, definido na Resolução da ONU n. 1999/7 das Nações Unidas de 26 de julho de 1999, e que significa que o ato de consumo, cujo objetivo é a satisfação das necessidades humanas, deve-se dar sem ameaçar ou danificar a sustentabilidade do meio ambiente, a fim de não pôr em risco a sobrevivência e a qualidade de vida da geração presente e das gerações futuras. Poucas legislações consumeristas asseguram efetivas medidas neste aspecto que caracterizem um direito subjetivo dos consumidores a ser vindicado judicialmente; entre elas, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro[9]. No entanto, o princípio já vem sendo adotado nas legislações nacionais, v.g. na lei do Equador, art.5o.; na Lei n. 182 de 1994, art. 12 da Nicarágua; na lei paraguaia n. 1334/98, artigo 4o.; entre outras.

O Brasil lançará em breve um Plano de Ação a este respeito, sobre este assunto a palestra do Fórum de Direito do Ambiente de 09 de agosto de 2010, das 16h às 18h com a Dra. Lisa Gunn, do IDEC.
1.2) Princípios e regras específicas



Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos.


Exemplo de aplicação do artigo 46:


0002273-81.2004.8.19.0203 - APELACAO
DES. CRISTINA TEREZA GAULIA - Julgamento: 17/06/2010 - QUINTA CAMARA CIVEL
Apelação cível. Relação de consumo. Autora correntista do banco-réu, que consulta o gerente para investir quantia recebida como indenização pela morte de filho. Banco que investe parte dos valores em poupança, e parte em títulos de capitalização. Experiência comum que demonstra prestarem os bancos serviço de consultoria com indicação e aconselhamento de produtos/serviços para aplicação de capital. Autora pessoa pobre e humilde, aposentada junto ao INSS. Ausência de informação a respeito dos riscos, características, ônus e bônus inerentes a cada tipo de investimento. Perícia que comprova que a autora deixou de ganhar valores ao investir em títulos de capitalização e não ter sido orientada quanto ao melhor período para resgate e realização de novo investimento. Defeito na prestação do serviço. Art. 14 CDC. Dever de observar o fornecedor a garantia legal de adequação dos serviços prestados Inteligência do art. 24 CDC. Danos materiais. Ré que deve restituir à autora os valores que esta deixou de ganhar. Dano moral. Valor adequadamente fixado pela sentença. Duplo viés, compensatório e preventivo-pedagógico. Razoabilidade observada. Recurso desprovido.

0149983-61.2006.8.19.0001 - APELACAO
DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO - Julgamento: 01/06/2010 - QUINTA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. INFORMAÇÕES IMPRECISAS.VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E BOA FÉ OBJETIVA NO PRESENTE CONTRATO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIZAÇÃO COM BASE NA TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO.NEGATIVAÇÃO DO NOME DO AUTOR NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E CANCELAMENTO DO LIMITE DE CRÉDITO. DANO MORAL CONFIGURADO.REDUÇÃO DO VALOR FIXADO NA SENTENÇA, POR SE MOSTRAR AFASTADO DOS CRÍTÉRIOS DE RAZOABILIDADE ADOTADO POR ESTE ÓRGÃO COLEGIADO. PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.


- O princípio da informação e o princípio da boa-fé são fundamentais na relação contratual de consumo. ATENÇÃO: O dever de boa-fé obriga tanto o fornecedor como o consumidor. Conforme Caio Mario da Silva Pereira:

"A boa-fé objetiva não cria apenas deveres negativos, como faz a boa-fé subjetiva. Ela cria também deveres positivos, já que exige que as partes tudo façam para que o contrato seja cumprido conforme previsto e para que ambas tenham o proveito objetivado. [...] A boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres jurídicos/dever de correção, de cuidado e segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas e até como elemento de limitação e ruptura de direitos (proibição de venire contra factum proprium, que veda que a conduta da parte entre em contradição com conduta anterior, do inciviliter agere, que proíbe comportamentos que violem o princípio da dignidade humana, e da tu quoque, que é a invocação de uma cláusula ou regra que a própria parte já tenha violado” (Instituições de Direito Civil, v. III, Rio:Forense, p. 20-21, apud, CAVALIERI FILHO, S. Programa de Direito do Consumidor, p. 133).


O artigo 47 dispõe que as cláusulas contratuais se interpretam de maneira mais favorável ao consumidor, mas também aplicam-se aos contratos de consumo todos os princípios hermenêuticos tradicionais do direito contratual e outros dispostos tanto no CC como no CDC, inclusive:

- princípio pacta sunt servanda ; arts. 112 (intenção das partes); 113 (observância dos costumes); 114 (interpretação restritiva das cláusulas de renúncia); 423 (interpretação mais favorável ao aderente); 424 (interpretação pró-aderente das cláusulas de renúncia), do CC;

- e também:
- princípio do equilíbrio contratual (art. 51, IV, e par. 1º., inc. II, CDC) e da proteção da confiança do consumidor (como desdobramento da boa-fé); as cláusulas contratuais são interpretadas sistematicamente; princípio da conservação do contrato (a interpretação privilegia a manutenção e observância do contrato) expressamente adotada no art. 51, par. 2o. do CDC; nulidade das cláusulas abusivas, artigo 51 e incisos do CDC; princípio de que a cláusula inserida pelas partes em contrato de adesão prevalece sobre a cláusula formularia; arts. 52 e 53 para os contratos nelas enfocados; além das disposições de leis e regulamentos específicos, v.g. Código do Cliente Bancário, Lei dos Planos de Saúde, n. 9,656/98, etc., que não contrariem o CDC.

[PRINCIPAIS FUNDAMENTOS PARA A INTERPRETAÇÃO PRÓ-CONSUMIDOR: vulnerabilidade do consumidor, equilíbrio econômico do contrato, princípios da informação e da boa-fé, contratação padronizada e de adesão (ver artigo 54 do CDC).]


Exemplo de aplicação do artigo 47 do CDC:


0093798-03.2006.8.19.0001 - APELACAO
DES. LINDOLPHO MORAIS MARINHO - Julgamento: 29/06/2010 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.COBRANÇA SECURITÁRIA C/C INDENIZAÇÃO. INDENIZAÇÃO PARA O CASO DE INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE. PERDA PARCIAL DA VISÃO OCASIONANDO A INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE PARA O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA. RECUSA DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS DO CONTRATO DA FORMA MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. MERO ABORRECIMENTO. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. RELAÇÃO CONTRATUAL. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO.O art. 47 do CDC determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.Não é possível, no caso, confundir invalidez segundo a impossibilidade de recuperação ou reabilitação (item 1.6). Esta impossibilidade diz respeito ao órgão afetado pela doença, mas que não faz referência à perda total do órgão ou sentido. Tal raciocínio interpretativo se faz em face de expressa contradição com a Tabela de Cálculo, acostada às fls. 46, que requer perda total da visão de ambos os olhos e não faz referência à impossibilidade de recuperação ou reabilitação da visão. A perda total de ambas as visões como condição de recebimento da indenização não tem congruência com a definição da seguradora de que seja invalidez permanente, não cabendo aí a interpretação literal apenas da tabela de cálculo, mas em consonância com o sentido de invalidez permanente que simplesmente pode ser a provocada pela perda parcial ou total de órgão ou função que incapacite totalmente o indivíduo para o exercício de suas atividades profissionais.Demais, segundo a norma de interpretação das obrigações, deverá se ter em vista a intenção das partes em lugar do sentido literal das palavras.Não há de se falar em danos morais em situações que, não obstante desagradáveis, só constituem mero inadimplemento contratual. Incidência do verbete 75 do TJ/RJ.Ônus de sucumbência que devem ser compensados, ante a sucumbência recíproca.Os juros de mora, nas relações contratuais, incidem a partir da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil.Precedentes do TJERJ.Parcial provimento ao recurso, para excluir a condenação a título de danos morais e fixar como termo inicial dos juros de mora, a citação, por tratar-se de ilícito decorrente de relação contratual, a teor do art. 405, do NCC.


Outros acórdãos também de interesse para o tema da proteção contratual, a título de ilustração:


1 – Boa-fé objetiva: REsp 617045/GO – T3 (T=Turma, 3=3a.);
2 – Cláusula abusiva e repetição de indébito: AgRg noREsp 988718/RS;
3 – Oferta, natureza vinculante: Ap (Ap=Apelação Cível no TJERJ) 2005.001.22799;
4 – Princípio da Informação: Ap 2005.001.08685 e Ap 2005.001.11480;
5 – Vedação a discriminação em razão da idade: REsp 809329/RJ – T3;
6 – Operação casada: Ap 2006.001.10216;
7 – Restrição quantitativa para aquisição de produtos: REsp 595734/RS – T3;
8 – Cláusula restritiva em contrato de adesão: REsp 774035/MG – T3;
9 – SFH e inaplicabilidade do CDC: REsp 489701 – S1 (S=Seção) (esta decisão é controvertida).
10 – Consórcio, restituição e desistência: REsp 442107/RS – T4;
11 – Pagamento antecipado, art. 53: Ap 2003.001.31371;
12 – Sul América e Fiat Fácil, publicidade enganosa: Ap 2005.001.48788;


2) Direito de Arrependimento


Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.


- O objetivo é proteger o consumidor contra negócios emocionais, ou enganos decorrentes da incapacidade de analisar o produto ou serviço diretamente no contrato a distância.

PARA ENTENDER O FUNDAMENTO, LEIA ESTE TRECHO DO ARTIGO DO PROFESSOR KLAUSNER, RECOMENDADO NA BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR (KLAUSNER, Eduardo Antônio. Reflexões sobre a proteção do consumidor brasileiro nas relações internacionais de consumo. In TIBURCIO, Carmen e BARROSO, Luís Roberto (organizadores). O Direito Internacional Contemporâneo: Estudos em Homenagem ao Professor Jacob Dolinger, 2006, Rio: Renovar, p. 375-419.):


“Hoje, com o desenvolvimento do computador pessoal e a internet, o consumidor não precisa de intermediários. A partir de sua casa pode consumir qualquer produto, nacional ou internacional, de maneira simples e rápida, valendo-se do computador e da internet. Através dos meios eletrônicos escolhe o produto, faz a encomenda e realiza o pagamento, com alguns poucos clics do mouse do seu computador. Para tanto, confia incondicionalmente na oferta do fornecedor quanto às qualidades do produto anunciadas, bem como na sua honestidade, e paga o bem adquirido fornecendo o número do cartão de crédito. E espera o produto. E espera que o produto tenha as qualidades que deseja, que não apresente problemas, ou, caso apresente problemas, que a garantia do fornecedor seja ampla, completa e proporcionada de maneira fácil e rápida. Espera também que o site do fornecedor seja inviolável, de modo que ninguém faça uso indevido do número do seu cartão de crédito.
Do mesmo modo, age o consumidor que utiliza outros meios para o consumo a distância como, por exemplo, a televisão e o telefone. A cada dia são mais comuns os programas televisivos destinados à venda de produtos a varejo. Com um mero telefonema, o consumidor, fascinado pelo anúncio televisivo, compra o produto e realiza o pagamento informando o número do seu cartão de crédito a alguém que não conhece, não vê e não pode identificar de pronto, confiando que seja o preposto do fornecedor honesto, competente e eficiente.
Os produtos e serviços comercializados a distância são os mais variados: livros, cds, jóias, automóveis, softwares, enfim, tudo pode ser comercializado pela internet, por telefone ou por carta, dos produtos e serviços mais baratos aos mais dispendiosos. Mas qual a efetiva proteção que esses consumidores internacionais possuem? Como poderão exercer seus direitos contra um fornecedor situado no estrangeiro? Quais direitos realmente possuirão ao se confrontar com esse fornecedor estrangeiro?”

JURISPRUDÊNCIA:


0004054-54.2009.8.19.0045 - APELACAO
DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 30/06/2010 - SEXTA CAMARA CIVEL
Direito do Consumidor. Contrato de empréstimo via telefone. Arrependimento. Cheque enviado pela financeira que jamais fora depositado ou descontado pela autora. Cobrança por meio de boletos bancários e envio de cartão de crédito sem pedido da demandante. Ação declaratória de inexistência de débito. Dano moral "in re ipsa". Sentença de procedência em parte. Pedido de devolução em dobro dos valores cobrados julgado improcedente. Recurso da financeira. Descabimento."Apelação Cível. Ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos. Direito do consumidor. Contrato celebrado através de contato telefônico, onde o autor exerceu o direito de arrependimento regulamentado no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor. Débito indevido no cartão de crédito do autor. Falha do preposto da empresa que deixou de atender de imediato a solicitação do autor. Dano moral configurado. RECURSO IMPROVIDO" (TJERJ, Ap. Cív. nº 0005947-86.2007.8.19.0001 (2009.001.23291), 10ª Câm. Cív., rel. Des. Pedro Saraiva Andrade Lemos, j. 08/07/2009). Desprovimento do recurso.



3) Lesão e quebra da base do negócio jurídico


Art. 6º., inc. V do CDC e princípio rebus sic standibus (art. 478-480 do CC e art. 51, par. 1º., inc. III, CDC).


0215779-91.2009.8.19.0001 - APELACAO
DES. WAGNER CINELLI - Julgamento: 20/07/2010 - NONA CAMARA CIVEL
Apelação cível. Ação indenizatória. Rito sumário. Contrato de prestação de serviços e de compra e venda de materiais didáticos. Verdadeira venda casada (material e serviços). Existência de desequilíbrio contratual. Onerosidade excessiva ao consumidor. Negativação indevida. Dano indenizável. Montante indenizatório que deve ser mantido. Recurso conhecido e desprovido.


0363955-46.2008.8.19.0001 - APELACAO
DES. MAURO DICKSTEIN - Julgamento: 06/07/2010 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL
SUMÁRIO. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO POSTERIOR À LEI Nº 9.656/98. CONDIÇÃO DE IDOSO. PROTEÇÃO CONFERIDA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA LEI Nº 10.741/03 E NA LEI Nº 8.078/90. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONTIDOS NO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTROLE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS. AVENÇA DE PRESTAÇÃO CONTINUADA OU OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO, QUE ADMITE A ADEQUAÇÃO À LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. ISENÇÃO PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 15, DA LEI Nº 9656/98. AUMENTO DA MENSALIDADE POR TRANSPOSIÇÃO DE FAIXA ETÁRIA. VEDAÇÃO PELO ART.15, §3º, DA LEI Nº 10.741/03, ASSIM COMO PELO CODECON, ART. 51, INCISO X. RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA QUE ESTABELECE ONEROSIDADE EXCESSIVA EM RELAÇÃO A AUMENTO POR FAIXA ETÁRIA. INAPLICABILIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 42, DO CDC. HONORÁRIOS COM BASE NO VALOR DA CONDENAÇÃO. DESPROVIMENTO DO 1º APELO. PROVIMENTO PARCIAL DO SEGUNDO.

0236750-68.2007.8.19.0001 - APELACAO
DES. LETICIA SARDAS - Julgamento: 02/06/2010 - VIGESIMA CAMARA CIVEL
"APELAÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DESCONTOS EM CONTA CORRENTE QUE NÃO PODEM ULTRAPASSAR 30% DO SALÁRIO DO CORRENTISTA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CLÁUSULAS ABUSIVAS. PROTEÇÃO DA VERBA ALIMENTAR. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NÃO COMPROVADA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO EXCESSO PAGO PELO CORRENTISTA A SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE DANO MORAL1. A questão trazida versa sobre a existência de empréstimos bancários com descontos automáticos em conta corrente do autor para amortizar o débito, conta esta recebedora de sua remuneração, discutindo-se o patamar razoável à limitar tais descontos.2. Sendo assim, estamos diante de uma relação de consumo, ex vi do disposto nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, sendo aplicável, in casu, os princípios e diretrizes da lei consumerista, em especial no que tange à nulidade de cláusulas abusivas, à proteção à hipossuficiência do consumidor, bem como à vedação de onerosidade excessiva dos contratos.3. A condenação do banco réu a se abster de reter na conta corrente do autor quantia superior a 30% dos seus benefícios, encontra respaldo em farta jurisprudência dos Tribunais pátrios, que se fundamenta nos princípios da dignidade humana, mínimo existencial e da solidariedade. 4. A norma do § 3º do art. 192, da Constituição Federal, revogada pela Emenda Constitucional nº 40, tornou inexistente a limitação dos juros à taxa de 12% ao ano, bem como a qualquer outro índice.5. A prática do anatocismo é expressamente vedada pelo ordenamento jurídico, conforme entendimento esposado no Verbete nº 121 da Súmula de jurisprudência predominante no Supremo Tribunal Federal e em decisões proferidas nas Argüições de Inconstitucionalidade nº 2003.017.00010 e 2004.017.00005, com efeito vinculante.6. Correta a condenação a devolução em dobro do excesso pago pelo correntista, que será apurado em liquidação de sentença, por se enquadrar a hipótese, na norma prevista no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.8. Não merece prosperar o pedido indenizatório formulado pelo autor/segundo apelante, reiterado em sede recursal por não haver qualquer mácula à honra ou à dignidade que justifique tal reparação.9. Parcial provimento do primeiro recurso no que se refere a aplicação de juros compostos não comprovados nos autos e desprovimento do segundo, mantida a sentença nos demais termos."

0139755-56.2008.8.19.0001 (2009.001.16495) - APELACAO
DES. MARIO ASSIS GONCALVES - Julgamento: 25/06/2009 - TERCEIRA CAMARA CIVEL
Ação de revisão contratual. Contrato de crédito ao consumidor com garantia de alienação fiduciária. Pedido de decretação de nulidade de cláusulas abusiva. Pretensão de aplicação da teoria da imprevisão e da quebra da base negocial.Lesão contratual inexistente. Conhecimento prévio, pelo devedor, das obrigações decorrentes do negócio jurídico. No contrato de alienação fiduciária o contratante tem prévio conhecimento da taxa de juros, do número e do valor das prestações mensais, não se alterando as mesmas no decorrer do contrato, de sorte que o mesmo tem noção prévia do valor total a ser pago no momento da contratação. Entendendo a apelante haver cláusulas abusivas no contrato poderia, demonstrando boa-fé, pleitear medida administrativa ou interpor ação de revisão de cláusulas contratuais depositando judicialmente os valores que entendesse devidos, ao invés de simplesmente tornar-se inadimplente. Note-se que a presente ação foi proposta tão somente após o devedor ter ciência de que poderia ser negativado e destituído da posse do bem objeto da garantia contratual. Patente, portanto, a quebra dos princípios básicos que regem a teoria dos contratos. Ademais, tem entendido este Tribunal, que dificuldades financeiras que atinjam as partes, por não guardarem relação com o contrato, não podem se transformar em motivo para rescisão ou revisão do mesmo, sob pena de violação da segurança e equilíbrio contratual. Inaplicáveis, portanto, a teoria da imprevisão e da quebra da base negocial ao caso concreto.Recurso a que se nega seguimento.

4) EXTINÇÃO DO CONTRATO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E CLÁUSULA RESOLUTIVA


Arts. 472-473 do CC – Distrato;
Arts. 474-475 do CC – Cláusula Resolutiva;
Art. 18, par. 1º., inc. I; 19, IV; 20, II; 35, III, CDC – Rescisão por vício.
Art. 51, XI, CDC – Resolução unilateral, cláusula abusiva;
Art. 51, par. 2º., CDC – Resolução por onerosidade excessiva para qualquer das partes.


5) CASOS CONCRETOS – QUESTÕES DA EMERJ - VER ANEXO.

6) QUADRO SINÓTICO para algumas características dos contratos de consumo

Teoria contratual clássica: liberdade contratual, valorização da força vinculante dos contratos e atomismo dos efeitos; boa-fé subjetiva.

Nova teoria contratual aplicada aos contratos de consumo: minimização da liberdade contratual do fornecedor, dirigismo contratual, boa-fé objetiva, informação e transparência, equilíbrio econômico absoluto, proteção da vulnerabilidade do consumidor e função social.

Fase pré-contratual vinculativa realçada, arts. 35 e 48.

Interpretação do contrato em favor do consumidor, art. 47.

Direito de arrependimento do consumidor, art. 49.

Limites dos contratos de adesão, arts. 46 e 54, parágrafos 3º. e 4º.

Cláusulas abusivas expressamente vedadas em rol exemplificativo, nulas em seus efeitos e de reconhecimento de ofício pelo juiz, art. 51, seus incisos e parágrafo 1º.

Dirigismo judicial: invalidação da cláusula abusiva ou revisão do contrato. Princípio da conservação do contrato, art. 51, par. 2º.

Regras específicas para crédito e financiamento ao consumidor, art. 52.

Proteção ao consumidor inadimplente em contratos com pagamento do preço em parcelas, art. 53.


[1] KLAUSNER, E.A. Para uma Teoria do Direito Internacional do Consumidor, tese de doutorado, capítulo 2.
[2] BOURGOIGNIE, Thierry. A Política de Proteção do Consumidor: desafios à frente. Revista de Direito do Consumidor n. 41, jan.-mar./2002, São Paulo:RT, p. 34-35, considera como questão essencial a política de proteção ao consumidor a informação do consumidor sobre produtos e serviços, riscos e acidentes relacionados a eles, cláusulas contratuais, preços e tarifas, leis e regulamentos, o que influencia diretamente a rotulagem e empacotamento de produtos, instruções de uso e advertências e bulas de remédios. O citado autor também destaca a questão da segurança (princípio enfocado no número 3 do rol) e a associa a informação adequada em diversos pontos.
[3] Sobre “princípio da transparência” ver CAVALIERI FILHO, Sérgio. O Direito do Consumidor no limiar do século XXI. Revista de Direito do Consumidor n.35, jul.set./2000, São Paulo:RT, p. 102, e tb. Programa de Direito do Consumidor, 2008, Atlas.
[4] Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, 2002, 4a. ed., S.Paulo:RT, sustenta que no Brasil instituiu-se o princípio da proteção da confiança do consumidor, no entanto parece melhor lançado a denominada teoria da confiança, por ela exposta com maestria (tópico 4.1 e p. 233 e s.), pois a especial proteção da confiança do consumidor é conseqüência dos princípios da boa-fé objetiva contratual e da vulnerabilidade do consumidor, logo não é exatamente um princípio. Frise-se que a boa-fé objetiva também veio a ser princípio dos contratos civis e empresariais no novo Código Civil brasileiro, artigos 422-424, entre outros.
[5] A indenização por danos morais no direito consumerista brasileiro é assegurada no art. 6o., VI, do CDC, assim como no direito estadunidense, (cf. OWEN, D.G. e PHILLIPS, J.J., Products Liability in a nutshell, op.cit., chapter 18, p. 490 e s.), e em diversos países, embora em alguns haja uma certa resistência do Judiciário quanto a este tipo de indenização, como ocorre em Israel.
[6] Sobre o tema na ótica do Direito do Consumidor, do Direito Processual Civil Internacional e do Direito Internacional Privado brasileiro, ver KLAUSNER, Eduardo Antônio. Direitos do Consumidor no Mercosul e na União Européia: acesso e efetividade, 2006, Curitiba:Juruá, p. 153-180, e, do mesmo autor, Reflexões sobre a proteção do consumidor brasileiro nas relações internacionais de consumo, p. 375 e s., op.cit.
[7] Como afirmam CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, trad. Ellen Gracie Northfleet, 2002, Porto Alegre:Sérgio Fabris, p. 12, “O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.
[8] Sobre as dificuldades e peculiaridades do acesso do consumidor à Justiça ver, para uma introdução ao tema, CAPPELLETII, M. e GARTH, B., op.cit. acima, e também KLAUSNER, E.A. Reflexões sobre a proteção do consumidor brasileiro nas relações internacionais de consumo, p. 375 e s., op.cit. e do mesmo autor Direitos do Consumidor no Mercosul e na União Européia: acesso e efetividade, op.cit..
[9] Art. 37, parágrafo 2o e art. 51, XIV, o primeiro tipificando como abusiva a publicidade antiambiental e o segundo tipificando como cláusula contratual abusiva as que infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais.
ANEXO - QUESTÕES DA EMERJ (CASOS CONCRETOS) E RESPECTIVAS RESPOSTAS

ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Turma: CPVI B 22010
Disciplina/Matéria: DIREITO DO CONSUMIDOR
Sessão: 11 - Dia 28/07/2010 - 08:00 às 09:50
Professor: EDUARDO ANTONIO KLAUSNER

11 Tema: Revisão e extinção do contrato no código de defesa do consumidor. Lesão e quebra da
base do negócio. A onerosidade excessiva. O direito de arrependimento. A cláusula resolutiva no
cdc. O princípio da preservação do contrato. Da interpretação dos contratos no código de defesa
do consumidor.

1ª QUESTÃO:

RESTAURANTE PALADAR LTDA. ajuíza ação de conhecimento, pelo procedimento ordinário, em face de PLANO DE SAÚDE MIL, postulando a declaração de ineficácia da denúncia do contrato ajustado entre as partes, dirigido ao atendimento dos empregados da autora, e a existência da relação jurídica contratual, requerendo, ainda, pedido de antecipação da tutela, para condenar a executar as prestações decorrentes do contrato, sem interrupção, sob pena de multa diária, equivalente a R$5.000,00 (cinco mil reais), além de custas e honorários advocatícios. Na petição inicial, o autor aduz que, após o contrato vigorar por cinco anos ininterruptos, a ré quer promover a sua rescisão no momento em que um dos beneficiários encontra-se em tratamento de moléstia grave. Esclarece, ainda, que o motivo da rescisão se deve ao elevado custo do tratamento da moléstia grave que atingira um dos beneficiários do plano, o que evidencia flagrante abuso do direito em relação de natureza consumerista.
Em contestação, a ré alega as seguintes razões: inexistência de vedação legal para a rescisão do pacto celebrado entre duas pessoas jurídicas, o que afasta a aplicação do CDC em favor da autora, por não ser ela hipossuficiente; validade e eficácia do contrato, por existir previsão dirigida à rescisão unilateral por qualquer das partes, motivada ou não , desde que haja notificação prévia de 60 dias; a Lei 9.656/98 admite a existência expressa da rescisão unilateral de contrato com pessoa jurídica; a decisão da ré de denunciar o contrato que não mais lhe interessa tem amparo na lei (arts. 122 e 220 do CC), não se tratando de cláusula potestativa, porque poderia ser utilizada por quaisquer das partes. Ao final, requer a improcedência do pedido autoral.
Há relação de consumo no caso?
É válida a denúncia unilateral do contrato?
Que princípio pode ser invocado em favor da preservação do contrato?

RESPOSTA:

Ver ementa do acórdão na Apelação Cível nº 13.839/2002, Relator Des. Sergio Cavalieri Filho, TJRJ.

SEGURO SAUDE
ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR
DENUNCIA DO CONTRATO
CLAUSULA CONTRATUAL
CLAUSULA ABUSIVA
PESSOA JURIDICA
ART. 2
C.DE DEFESA DO CONSUMIDOR
DESPROVIMENTO DO RECURSO
Plano de saude. Incidencia do Codigo do Consumidor. Denuncia unilateral do contrato. Violacao do principio da boa-fe'. Clausula abusiva. A pessoa juridica e' tambem consumidor, consoante art. 2. do CDC, quando mantem plano de saude em favor dos seus empregados, pois nao atua como intermediaria, nem utiliza o servico como insumo na sua atividade produtiva. Viola o principio da boa-fe' a denuncia unilateral, apos cinco anos de vigencia do contrato, feita em momento em que um dos seus beneficiarios se encontra em tratamento de doenca grave, no inequivoco proposito de excluir o dever decorrente de garantia anteriormente assumida. Nao se pode afastar os efeitos de uma doenca manifestada em plena vigencia do contrato. Desprovimento do recurso. (WRC)

2ª QUESTÃO:

Jair e Rosemery, recentemente casados, celebraram contrato preliminar de aquisição de imóvel com Brascam Imobiliária S/A. Um ano e meio depois, com sérios problemas financeiros e, portanto, impossibilitados de continuar a pagar, sem que tenha havido invocação da cláusula resolutiva tácita (art. 475, do CC), em acordo de vontades com a imobiliária, resiliram o contrato. Em conseqüência disso, a empresa reteve a totalidade das parcelas até então pagas pelos noivos, submetendo-os à cláusula penal que assim estabelecia, conforme inicialmente pactuado no contrato. O fato é que Jair e sua mulher pagaram, aproximadamente, R$ 90.000,00. Diante disso, propuseram ação em face da Brascam, objetivando a devolução integral do preço. Alegaram a abusividade da cláusula penal acima citada, bem como o enriquecimento sem causa da ré. Em contestação, a ré sustentou a incidência do princípio da autonomia da vontade, bem como, que despendeu expressivo valor com a propaganda do empreendimento, com a corretagem e que suportou perdas com a desvalorização proveniente do uso do imóvel pelos autores durante os 18 meses que lá residiram. Pleiteou a improcedência do pedido.
Decida a questão, considerando comprovados os fatos alegados.


RESPOSTA:

Ver ementa e fundamentação do acórdão na Apelação Cível nº 2000.001.10128, Relator Des. Milton Fernandes de Souza, TJRJ.

PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMOVEL
UNIDADE IMOBILIARIA
CLAUSULA PENAL
MULTA
ART. 53
C.DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Contrato Preliminar. Clausula Penal. Vontade. Autonomia. Limite. Codigo do Consumidor. Norma do art. 53. Mora. Potencial ofensivo. Multa. Proporcao. 1. A concepcao moderna do principio da autonomia da vontade, que se harmoniza com o principio da obrigatoriedade dos contratos, afastou-se do seu carater absoluto anterior e, diante de determinadas circunstancias, admite a imposicao de limites ao poder de contratar. 2. Apenas quando as vontades sao emitidas dentro dos limites outorgados pelo ordenamento juridico ao poder de contratar, o ato torna-se valido, eficaz e obrigatorio para as partes. 3. E um dos limites impostos pelo ordenamento positivo ao poder de contratar configura-se na proibicao de estabelecer clausula penal que imponha a perda das prestacoes pagas pelo comprador quando, extinto o contrato, o imovel retorne ao patrimonio do vendedor (art. 53 do CDC). 4. Essa norma e' dirigida `a protecao da parte presumivelmente mais fraca da relacao contratual, tem carater de ordem publica, e nao afasta a estipulacao de clausula penal que traduza uma real estimativa das perdas com a mora ou inadimplemento do comprador. 5. A sua finalidade e' a de preservar um equilibrio razoavel entre a multa penal e a potencialidade ofensiva da mora ou inadimplemento e de evitar, observadas as particularidades do caso concreto, um enriquecimento injusto do credor que recebe o bem de volta ao seu patrimonio e ainda fica com grande parcela do preco pago pelo devedor. 6. Neste aspecto, invalida e ineficaz e' a clausula penal fixada na medida do cumprimento da obrigacao do devedor, porque ultrapassa o limite da autonomia da vontade imposto na norma do art. 53 do Codigo de Defesa do Consumidor ao desconsiderar o equilibrio entre a multa e a potencialidade ofensiva da mora do comprador e proporcionar um enriquecimento injusto do vendedor. 7. Contudo, deve-se fixar a multa penal sem desprezo das despesas - corretagem, propaganda etc. - realizadas pelo vendedor e as eventuais perdas - desvalorizacao do imovel - por ele suportadas com a mora do devedor, de modo a preservar um equilibrio razoavel entre a pena e o resultado do atraso no cumprimento, ou descumprimento, da obrigacao. (JRC) Obs.: Com Embargos de Declaracao providos: Embargos de declaracao. Referencia a artigo de lei. Desnecessidade. Materia nao recorrida. Impossibilidade de ser decidida no acordao. 1. O orgao julgador nao e' obrigado a fazer mencao expressa aos dispositivos legais e constitucionais invocados pelo embargante, sendo necessario apenas que aprecie e solucione as questoes incertas nos artigos citados pelo recorrente. 2. Nao tendo a materia decidida pelo Juizo em sede de embargos de declaracao e nao sendo esta decisao objeto de qualquer recurso o acordao fica impossibilitado de decidir sobre a materia.

domingo, 11 de julho de 2010

EDITORIAL n. 1: Os Objetivos do Blog Direito e Justiça

A idéia de construir o blog Direito e Justiça foi inspirada na ágora da Grécia Clássica, e surgiu no decorrer dos meus estudos de Filosofia do Direito no Curso de Aperfeiçoamento da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
Fóruns para debates e estudos sobre Direito e Justiça são raros e, normalmente, se restringem às instituições acadêmicas durante cursos de pós-graduação stricto sensu, bem como alcançam um número restrito de alunos e professores. Mesmo na EMERJ os fóruns de debates, entre os quais o do qual eu sou membro, o Fórum de Debates sobre Direito do Ambiente, restringem-se a palestras e esparsas produções acadêmicas. Óbviamente a elitização do debate sobre Direito e Justiça não contribui efetivamente para a democratização da reflexão e para o acesso de suas idéias aos demais profissionais do Direito, da Sociologia, da Filosofia, da Teologia, da Ciência Política, da Economia e de outras áreas para as quais o tema interessa, e muito menos para o efetivo estabelecimento de um diálogo interdisciplinar pelos profissionais dessas áreas.
A restrição do debate sobre Direito e Justiça aos círculos acadêmicos, por outro lado, exclui toda a sociedade, que dificilmente tem acesso a uma reflexão sobre tais temas no cotidiano de suas vidas, e também exclui profissionais dedicados principalmente a vida prática, mais pragmáticos, cujo estudo de maneira crítica sobre o Direito e a Justiça não se encaixa em seu cotidiano, entre estes os próprios advogados, normalmente exclusivamente dedicados a Justiça no caso concreto, muito mais ligados a uma idéia de Justiça Legal e eminentemente Corretiva, preocupados principalmente em vencer a causa, obter a prestação jurisdicional mais favorável aos interesses do seu cliente, mesmo que a operacionalização do Direito pelo Judiciário não resulte na decisão mais adequada ou a mais justa para o caso.
O presente blog busca, portanto, permitir a reflexão, o diálogo, a crítica e estimular o livre pensamento sobre Direito e Justiça, no sentido mais amplo. A proposta do blog é recepcionar artigos, ensaios e trabalhos com conteúdo de todos os ramos da Ciência do Direito, bem como com temas sobre Justiça de todas as áreas de conhecimento do saber.
Pretendo todos os meses postar novidades, de modo a estimular a participação regular de todos os que amam o Direito e a Justiça. Outrossim, também é a minha intenção construir uma ferramente de interação com meus alunos e ex-alunos, de modo que possam acessar artigos, textos e reflexões sobre o Direito e sobre a Justiça, ajudando-os em suas tarefas acadêmicas, na sua vida profissional, assim como na sua participação na sociedade como cidadãos conscientes da importância do exercício da cidadania e da solidariedade para a construção de um país mais justo, mais desenvolvido economica e socialmente.
Inauguro o blog com dois artigos de minha autoria, publicados em revistas científicas consagradas no Brasil. O primeiro, sobre o contrato de mútuo foi escrito em 2002, quando o novo Código Civil ainda era um projeto. O segundo, sobre as perspectivas para a proteção do consumidor brasileiro nas relações internacionais de consumo, foi escrito em razão da convenção interamericana em discussão na Organização dos Estados Americanos.
Quanto ao primeiro artigo, sobre o contrato de mútuo, apesar do tempo decorrido e deste artigo já necessitar de atualização, ele é um dos meus artigos mais consultados e citados, inclusive citado em projeto de lei em curso no Congresso Nacional para disciplinar-se os juros. A penetração do artigo no meio jurídico, inclusive a sua publicação na internet sem a minha autorização em diversos sites jurídicos, incitou-me a publicá-lo no blog, de modo a permitir ao leitor a sua consulta efetivamente na fonte.
No que toca ao segundo artigo, no Direito brasileiro a proteção do consumidor nas relações internacionais de consumo é um tema pouquíssimo debatido, sobre o qual se debruçam pouquíssimos juristas. Isso apesar de uma convenção internacional ter o poder de aprimorar em muito a segurança e proteção do consumidor internacional, ou de, ao contrário, ter o poder de afetar diretamente a segurança e a proteção do consumidor nas relações internacionais e também internas de consumo de modo negativo. A necessidade de aproximar o debate sobre o assunto aos demais estudiosos e profissionais do Direito e áreas afins estimulou-me a trazer este meu artigo, publicado na Revista CEJ, do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal do Superior Tribunal de Justiça, para o blog.
Espero que os dois primeiros artigos postados possam estimular o debate e a crítica sobre as matérias que abordam, ou ainda melhor, possam animar aos leitores a apresentar outros assuntos de interesse ou quem sabe até um ensaio próprio.
Assim sendo, desejo que os leitores, seguidores e colaboradores possam encontrar neste fórum o local apropriado para o estudo, a reflexão e a crítica sobre o Direito e a Justiça.
Bem vindos, Carpe diem!
Eduardo Klausner.

sábado, 10 de julho de 2010

Perspectivas para a Proteção do Consumidor Brasileiro nas Relações Internacionais de Consumo (Publicado na Revista CEJ, v. XII, n. 42, julho/set 2008)



http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/1052/1203

O Contrato de Mútuo no Novo Código Civil (Publicado originalmente na Revista da EMERJ, v. 5, n. 20, julho de 2002.)

Sumário: 1. Introdução.O contrato de mútuo;2.Taxas de juros e encargos moratórios;3.Atualização monetária do capital mutuado e a Taxa SELIC. A capitalização dos juros;4. O mútuo feito a pessoa menor;5. A extinção do contrato de mútuo. O pagamento antecipado e a redução proporcional dos juros;6. Conclusão.
1.INTRODUÇÃO. O CONTRATO DE MÚTUO.
O presente estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, ou apresentar soluções definitivas para a discussão doutrinária e jurisprudencial que o contrato de mútuo e os juros cobrados pelo mutuante vem gerando, em especial desde o advento da Constituição Federal de 1988, e que leva a inúmeras demandas judiciais e a igual número de decisões judiciais discrepantes, seja nos órgãos jurisdicionais de primeiro grau, seja nos órgão jurisdicionais de segundo grau, ou nas cortes superiores e em especial no Superior Tribunal de Justiça.
O seu objetivo é chamar a atenção para a sutileza das alterações provocadas pelo Novo Código Civil que entrará em vigor em 2003 neste contrato, especialmente no concernente a questão dos juros, sua capitalização, e os encargos moratórios, que longe de contribuir para auxiliar na solução dos conflitos, potenciais ou em curso, dará ensejo a novas indagações, discussões e demandas judiciais, prejudicando a estabilidade e segurança das relações jurídicas que devem existir entre partes contratantes, contribuindo ainda mais para onerar os dependentes de capital de terceiros para o exercício de suas vidas, pessoais ou profissionais.
O Novo Código Civil, que unificou o direito das obrigações cíveis e comerciais, não limitou-se a repetir os antigos Códigos Civil e Comercial ao tratar do Contrato de Mútuo nos artigos. 586 a 592, e dos Juros Legais nos artigos 406 a 407, mas trouxe inovações nestes dispositivos, e em outros que são aplicáveis ao contrato em tela, que certamente serão objeto de novas demandas judiciais no que concerne aos contratos de mútuo oneroso em geral e, especialmente, ao bancário e aos contratos congêneres.
Analisando-se os artigos 586, 587 e 588 do Novo Código, vislumbra-se que repetem o disposto nos artigos 1.256, 1.257 e 1.259 do Código Civil de 1916, sendo que quanto a este último artigo a única alteração foi a eliminação da referência a abonadores. Ou seja, o contrato de mútuo como empréstimo de bens fungíveis os quais têm o domínio transferido ao mutuário, que tem o dever de restituir ao mutuante no termo aprazado coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade, continua o mesmo, inalterado em seus elementos e, desde que tipicamente civil presumivelmente gratuito, ou sendo comercial presumivelmente oneroso.
O contrato de mútuo continua assim sendo unilateral e real, dependendo para seu aperfeiçoamento da tradição da coisa mutuada, sendo temporário, por prazo determinado ou indeterminado, podendo ser gratuito ou oneroso, no último caso sendo lícito cobrar uma remuneração pela transferência do domínio do bem mutuado, os juros, criando a obrigação para o mutuário de restituir o equivalente ao que recebeu, acrescido de juros e demais encargos contratados.
Ao lado do contrato de mútuo oneroso típico, conhecemos no direito comercial e, especialmente no direito bancário, diversas operações creditórias dele derivadas, como os financiamentos, onde o capital mutuado está obrigatoriamente destinado a particular emprego pelo mutuário, ou a abertura de crédito, que caracteriza-se como promessa de mútuo, neste último caso tratando-se de contrato consensual e bilateral, como ocorre nos contratos chamados "Cheque Especial", também sujeitos as disposições pertinentes ao mútuo sempre que o empréstimo em dinheiro vem a se concretizar.
Somente as instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil podem realizar a intermediação profissional de recursos financeiros, nos termos da Lei n. 4.595/64, ou seja, captar recursos financeiros de terceiros e realizar empréstimos de dinheiro a juros de maneira habitual e empresarial. Frise-se que as empresas de fomento mercantil, ou seja, que operam contratos de factoring, não são consideradas instituições financeiras pelo Banco Central do Brasil e são proibidas de realizar operações tipicamente bancárias, inclusive o mútuo bancário (Resolução 2.144/95/BACEN;Lei 9.249/95,art.15,par.1o.inc.III,d;Lei 7.492/86,art.16).
2. TAXAS DE JUROS E ENCARGOS MORATÓRIOS.
A diferença basilar entre as antigas codificações, alteradas pela Lei de Usura, e o Novo Código Civil no que concerne a empréstimo de dinheiro refere-se a taxa de juros e a possibilidade de capitalização dos mesmos no mútuo feneratício, seja de natureza civil, seja de natureza comercial.
Os juros são os frutos do capital empregado e representam remuneração pelo uso do objeto mutuado, pelo tempo que ficará no domínio do mutuário e o risco de reembolso. Tanto no Código Comercial, artigo 248, como no Código Civil de 1916, artigo 1.261, sua taxa era de livre pactuação entre as partes.
Posteriormente o Decreto 22.626, de 07 de abril de 1933, limitou a taxa em 12% ao ano, assim como a Constituição Federal de 1988 em seu art. 192, parágrafo 3o..
O Novo Código Civil estabelece uma taxa de juros legais flutuantes sem limites rigidamente fixados e revoga o Decreto n. 22.626/33, Lei de Usura, ao regular a mesma matéria.
O art. 591 do Novo Código Civil é claro ao dispor que presume-se devidos juros quando o mútuo destina-se a fins econômicos, ou seja, quando o mutuante contrate no exercício da atividade empresarial, ou exerça profissionalmente a atividade de mutuante. Tal disposição é aplicável aos contratos de mútuo independentemente do gênero da coisa mutuada, no entanto surge o direito a juros com mais propriedade no mútuo pecuniário, de dinheiro. Trata-se dos juros convencionais ou remuneratórios. A redação do artigo é a seguinte, verbis:
"Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual."
O artigo fixa que a taxa de juros não poderá ultrapassar a taxa a que se refere o art. 406. O artigo que dispõem sobre juros está assim redigido:
"Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional."
Assim sendo, a taxa de juros remuneratórios deverá ser igual ou inferior a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, que são flutuantes, fixadas mensalmente pelo Conselho de Política Monetária do Banco Central – COPOM, e correspondente a taxa SELIC, ou seja, a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia para os títulos federais, instituída pela Lei n. 8.981/95. Revoga-se assim a limitação da taxa de juros a 12% ao ano fixada no Decreto n. 22.626/33, criando-se a perspectiva de, conforme o caso concreto, novas lides surgirem sempre que a taxa SELIC for superior a taxa de juros de 12% ao ano estipulada no art. 192, parágrafo 3o., da Constituição Federal. Frise-se que a taxa SELIC normalmente é superior a taxa constitucional, estando na ordem de 18,0 % ao ano.
Esta taxa também se aplica aos juros moratórios, quando não convencionados, ou o forem sem taxa estipulada. Surge assim outra questão. Poderão os juros moratórios serem fixados em taxa superior? Entendo que nos contratos de mútuo não.
O artigo 591 limita a taxa de juros no contrato de mútuo à taxa SELIC, assim sendo deve-se entender que o limite se estende também aos juros moratórios.
Mesmo que fixados no limite máximo, poderão ser cobrados cumulativamente aos remuneratórios, mesmo que juntos ultrapassem o limite do art. 591, isto porque a cumulação de juros remuneratórios e moratórios é admitida em nossa jurisprudência, v. g. Súmula do Superior Tribunal de Justiça n. 102, assim como é na Lei de Usura, não havendo qualquer restrição legal para tanto.
No entanto a questão dos juros moratórios certamente gerará controvérsia, especialmente em negócios jurídicos que não sejam típico mútuo, tanto em razão da redação do artigo 406 que dá carater supletivo a taxa que estabelece, ou seja, só será utilizada caso os contratantes não tenham convencionado a taxa de juros, como de sua interpretação científica.
O artigo 406 está inserido no Título IV, do Livro I, da Parte Especial do Novo Código Civil que trata "Do Direito das Obrigações". Tal Título versa "Do Inadimplemento das Obrigações", que em seu Capítulo II do artigo 395, caput, dispõe:
"Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado."
Como se vê, o legislador só limitou a índices oficiais a atualização monetária. Poderia ter se referido a taxa de juros legais, que ele próprio estabeleceu no art. 406, mas preferiu omitir-se. Mas não é só. No artigo 404, no Capítulo III do mesmo Título, que trata "Das Perdas e Danos" ordena o legislador:
"Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros de mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar."
O legislador outra vez limita a índices oficiais somente a atualização monetária, embora exista taxa oficial de juros estabelecida no próprio Código no art. 406, como já vimos, e para reforçar expressamente prevê no parágrafo único que o juiz pode conceder indenização moratória superior a convencionada pelas partes, caso os juros não cubram o prejuízo e não haja pena convencional..
A interpretação coordenada e sistemática dos três artigos citados não nos deixa dúvidas da intenção do legislador, por mais censurável que seja, de deixar a fixação dos juros moratórios a critério dos contratantes e limitada apenas ao valor da obrigação principal em interpretação extensiva do disposto no art. 412, situado no Capítulo V, "Da Cláusula Penal", o que indubitavelmente dará ensejo a abusos e inúmeras lides, como aliás já ocorre quando em operações bancárias ativas, ou em contratos de cartão de crédito, os credores cobram de seus devedores valores absurdos pela mora, cumulando juros moratórios e remuneratórios, tudo capitalizado, e vagamente intitulados "comissão de permanência", ou "encargos moratórios", ou outro nome similar.
Cabe aqui um parênteses. Nas relações de consumo, estarão às cláusulas do contrato sujeitas a Lei n. 8.078/90, e conseqüentemente serão nulas as cláusulas que criem onerosidade excessiva e injustificada ao consumidor, ou que estipulem "multas de mora"(sic) superiores a dois por cento do valor da prestação (arts. 51 e 52 do CODECON). Embora destinado o comando legislativo do parágrafo 1o. do art. 52, do Código de Defesa do Consumidor a limitar cláusulas penais e não juros moratórios, sua aplicação será imprescindível para salvar os devedores, e esta é a expressão, dos abusos que possam ser cometidos pelos credores na estipulação dos encargos moratórios e mais especificamente das taxas de juros moratórios. Mesmo assim, a multa é alta se levarmos em conta a projeção da taxa ao ano, mês a mês.
Por outro lado, as instituições financeiras continuam nas operações ativas que contratarem, ou seja, mútuo bancário e congêneres como contratos de abertura de crédito e financiamentos, sem sujeição a limitação da taxa de juros estipulada pelo Novo Código, ou pela Constituição Federal, e sujeitos apenas aos limites impostos pelo Conselho Monetário Nacional nos termos do art. 4o. incisos VI e IX da Lei n. 4.595/65, que desde 1990 não fixa limites a mesma, deixando-a flutuar conforme as injunções do mercado, o que tem dado ensejo a inúmeras ações judiciais, com resultados divergentes conforme o entendimento abraçado pelo órgão julgador quanto a auto-aplicabilidade da norma constitucional que limita taxa de juro em 12% ao ano, apesar do Supremo Tribunal Federal ter decidido por mais de uma vez que a norma constitucional necessita de "mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado"(Ver RTJ 152/1001;151/599;150/950, e ADIN n.4-DF,RTJ 147/719-858) não estando as instituições financeiras sujeitas ao seu limite ou o da Lei de Usura até que lei complementar disponha sobre a matéria.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4 – DF, publicada no DJU de 12.3.91,pp.2.441/2, Rel. Ministro Sydney Sanches, foi peremptório ao afirmar que o Art. 192, parágrafo 3o., da Constituição Federal, não possui eficácia imediata para limitar as taxas de juros reais, embora a decisão não tenha sido unânime, a qual transcreve-se em parte, verbis:
"... 6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do Sistema Financeiro Nacional (art. 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no caput, nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo 3o., sobre taxa de juros reais (12% ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do Sistema Financeiro Nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do caput, dos incisos e parágrafos do art. 192, é que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma..."(in Juros...Paulo e Miriam A.Ramos,ob.citada,pg.193)
Os juros bancários no Brasil, em razão desta liberdade que é conveniente a política monetária do Governo Federal, segundo o Banco Central e conforme noticiado em 27 de junho do corrente ano pelo jornal "Valor Econômico", alcançaram taxa média em maio de 2002 de 59,5% ao ano, chegando os juros do cheque especial a 158,4% ao ano.
Apesar dos juros absurdos, em vez da esperada lei complementar, encaminha-se no Congresso Nacional projeto de emenda constitucional revogando o dispositivo que estabelece o limite constitucional às taxas de juros.
3.ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO CAPITAL MUTUADO E TAXA SELIC. A CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS.
Outro grave problema que exsurge da escolha da taxa SELIC como a referencial para os contratos de mútuo, além da incerteza do montante de sua taxa pelas partes, e em especial pelo mutuário, refere-se a questão da correção monetária.
Dispõe o art. 404 do Novo Código que as perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro serão pagas atualizada monetariamente segundo os índices oficiais, como já vimos, assim sendo admite-se a atualização monetária do capital mutuado o que se refletirá no quantum que o mutuário restituirá, seja a vista, seja a prestação. Ocorre que a taxa SELIC possui embutida em seu cálculo índice de correção monetária, ou, nos termos do Egrégio Superior Tribunal de Justiça "fator de neutralização da inflação" (Resp215881-PR,DJU de 16/6/2000), pelo que não poderá cumular-se os juros calculados pela taxa SELIC com índice de atualização monetária do capital mutuado, sob pena de chancelar-se um bis in idem, fato completamente desconsiderado pelo legislador.
O artigo 591 traz a lume outra questão polêmica, a capitalização dos juros anual, antes vedada nos contratos de mútuo pelo Decreto 22.626/33.
Capitalizar juros significa que o valor dos juros vencidos somam-se ao capital mutuado, de modo que os juros futuros passem a incidir sobre o resultado dessa soma, e assim sucessivamente, procedimento também conhecido como anatocismo, ou juros compostos.
Esta nova disposição afasta a incidência da Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal e revoga, também neste aspecto, o Decreto n. 22.626/33, que vedam a capitalização dos juros, ainda que expressamente convencionada, nos contratos em geral, permitindo a capitalização dos juros em contrato de mútuo oneroso.
No entanto deve-se esclarecer que a capitalização dos juros é prática corrente nas operações bancárias em várias modalidades de empréstimos, como os destinados ao financiamento da atividade rural ou industrial, e que dão ensejo a emissão de cédulas de crédito rural ou industrial, com expressa permissão das leis específicas que regulam estas modalidades de operações, ou em operações de crédito de qualquer modalidade, incluindo-se o mútuo bancário, em que seja emitida Cédula de Crédito Bancário (Medida Provisória n. 2.160-25, de 23.08.2001), sendo de livre estipulação "os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização,..."(art.3o.,par.1o.,inc.I,MP citada).
Nestes termos, fica a capitalização dos juros, antes restrita a operações bancárias específicas, admitida em mútuos civis feneratícios e nos mútuos comerciais em geral, anualmente. E para os contratos de empréstimo de dinheiro realizados por instituições financeiras, face ao teor da medida provisória, de livre estipulação entre as partes, sempre que gerar emissão da Cédula de Crédito Bancário.
Frise-se que o Código de Defesa do Consumidor neste aspecto não socorrerá os consumidores, uma vez que não veda a capitalização dos juros.
4.O MÚTUO FEITO A PESSOA MENOR.
O artigo 588 trata do mútuo feito a pessoa menor, sendo repetição do artigo 1.259 do
Código Civil de 1916, sem a referência a abonadores, o que não altera o significado da norma, dispondo que feito a pessoa menor, sem prévia autorização de seu responsável, não poderá ser reavido do mutuário ou de seus fiadores. Sua função é proteger os menores da exploração de usurários, como esclarece Clóvis Bevilaqua ao comentar o art. 1.259, in "Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado",vol.IV,1917,Liv.F.Alves.
No art. 589, que a princípio é repetição do art. 1.260 do antigo Código Civil, surge como novidade os incisos IV e o V, sendo este último promessa de polêmica.
O artigo 589 trata das exceções a regra do art. 588, ou seja, quando o mútuo pode ser reavido do menor ou de seus fiadores. As exceções se apresentam quando ausente a malícia do mutuante em valer-se da inexperiência do menor, não fugindo o novel inciso IV desta regra ao autorizar o mutuante a pleitear a restituição do capital mutuado se este reverteu em benefício do menor.
No entanto o inciso V nos parece carecer de precisão. Está assim escrito:
"Art. 589. Cessa a disposição do artigo antecedente:
V – se o menor obteve o empréstimo maliciosamente."
A intenção do legislador certamente era englobar em sua disposição a malícia do menor relativamente incapaz em ocultar sua idade para obter o empréstimo, inspirado no art. 155 do Código Civil de 1916. No entanto, da maneira como foi redigido fica sujeito a interpretação muito mais ampla e de caráter subjetivo. Merece portanto reforma.
5. A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE MÚTUO. O PAGAMENTO ANTECIPADO E A REDUÇÃO PROPORCIONAL DOS JUROS.
Extingue-se o contrato de mútuo como os demais contratos, com o pagamento (arts.304/355) no prazo avençado cumprindo-se todas as obrigações pactuadas, ou ainda por meio de dação em pagamento (arts.356/359), novação (arts.360/367), compensação (arts.368/380), confusão (arts.381/384) e remissão (arts.385/388).
O artigo 592 e seus incisos dispõem sobre hipóteses em que as partes contratantes não tenham convencionado o prazo do mútuo, não trazendo novidades, repetindo o artigo 1.264 do Código de 1916, estabelecendo que será: até a próxima colheita, tratando-se de produtos agrícolas; de trinta dias, se for de dinheiro, e do prazo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível.
Questão controvertida, neste aspecto, sempre foi quanto a possibilidade do mutuário antecipar a restituição do dinheiro emprestado e exonerar-se dos juros a vencerem. Muitos doutrinadores opõem-se a tal entendimento, alegando que a legítima expectativa do mutuante ao contratar o mútuo consiste nos juros que receberá e que seria frustrada com a antecipação da devolução do capital mutuado. Neste sentido, por exemplo, Fabio Ulhoa Coelho ao referir-se especialmente ao mútuo bancário em seu "Curso de Direito Comercial",Vol.3,Ed.Saraiva,pág.125.
Não podemos nos esquecer no entanto que, tratando-se o mutuário de consumidor, ou sendo o mutuante instituição financeira, será assegurado ao mutuário antecipar o prazo de restituição do mútuo reduzindo-se proporcionalmente os juros e encargos, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, art.52, parágrafo 2o., e Resolução BACEN n. 2878, de 26/07/2001- Código de Defesa do Cliente Bancário- artigo 7o.
Devemos ter especial atenção ao Código de Defesa do Cliente Bancário, pois ele não distingue o consumidor do empresário, assim, mesmo se tratando de contrato tipicamente empresarial mantido entre cliente bancário e instituição financeira, ao qual não se aplique o Código de Defesa do Consumidor, terá o cliente bancário direito ao pagamento antecipado com redução proporcional dos juros.
Redução proporcional dos juros significa, especialmente, direito a descapitalização dos mesmos.
Por fim, o art. 590, repetindo o art. 1.261 do antigo Código, prevê que o mutuante possa exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer mudança de fortuna, sendo aplicação do princípio do art. 477 do Novo Código, como o era o artigo 1.092 do Código de 1916 para o artigo 1.261, como ensina Clóvis Bevilaqua ao comentar os artigos do Código Civil de 1916 (ob.cit.). Não apresentada a garantia, poderá o mutuante dar ensejo a resolução do contrato.
6. CONCLUSÃO.
Como coloquei no início deste artigo, minha intenção era apontar dispositivos no novo Código Civil pertinentes ao contrato de mútuo que, indubitavelmente, gerarão novas lides, ou darão novas forças as já em curso.
Como vimos nos tópicos acima, as principais falhas referem-se:
a)a taxa de juro remuneratório adotada, flutuante, não possuindo mais o mutuário a certeza de quanto pagará de juros, impossibilitando inclusive prever quanto pagará ao final do contrato, vez que o juros poderão ser capitalizados;
b) a taxa de juros moratórios também sujeita a incertezas quanto ao seu valor, dando azo a cobrança de encargos moratórios desproporcionalmente elevados, admitindo-se inclusive ao juiz conceder indenização suplementar ao credor quando, não havendo pena convencional, os juros moratórios não forem suficientes para cobrir o prejuízo do credor;
c) a previsão da atualização monetária das dívidas em dinheiro, desconsiderando que tal atualização já está embutida na taxa SELIC;
d) ignorar que a Constituição Federal estabeleceu que a taxa de juros no País não pode ser superior a 12 % ao ano;
e)não alcançar suas disposições quanto a taxa de juros e o limite da capitalização anual dos mesmos os contratos de mútuo realizados por instituições financeiras;
f)não dispor sobre o pagamento antecipado com a redução proporcional e descapitalização dos juros;
g)imprecisão da regra do inciso V, do artigo 589.
Mostra-se assim o Novel Código Civil nos dispositivos comentados não só ineficaz como regra de ordenamento da sociedade que teria por escopo evitar conflitos, mas também propiciador de inúmeros outros que desaguarão no sobrecarregado Poder Judiciário, a exigir imediato reparo antes que entre em vigor.
Referências Bibliográficas:
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.Jansen, Letácio – Panorama dos Juros no Direito Brasileiro – Ed.Lúmen Júris, 2002;
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