por Eduardo Klausner

quinta-feira, 19 de abril de 2012

REFLEXÕES SOBRE A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE CONSUMO


Advertência 1: o presente artigo foi publicado em 2006.

Advertência 2: as notas de rodapé não foram corretamente transportadas pelo blogger e estão como notas de fim de página, vide numeração entre parênteses no texto.

Referência obrigatória para citação: KLAUSNER, Eduardo Antônio. Reflexões sobre a proteção do consumidor brasileiro nas relações internacionais de consumo. TIBURCIO, Carmen e BARROSO, Luís Roberto (organizadores). O Direito Internacional Contemporâneo: estudos em homenagem ao Professor Jacob Dolinger, 2006, Rio:Renovar, p. 375-419.









REFLEXÕES SOBRE A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE CONSUMO



EDUARDO ANTÔNIO KLAUSNER




Sumário: 1. Apresentação. – 2. Introdução. - 3. Os conceitos de consumidor, fornecedor e relações de consumo, no direito brasileiro: 3.1. O consumidor internacional e sua particular vulnerabilidade. - 4. Relações de consumo envolvendo importadores, agências de turismo e empreendedores de time-sharing. – 5. Acesso à Justiça: 5.1. MERCOSUL; 5.1.1. Algumas notas sobre cooperação judiciária no MERCOSUL; 5.2. Questões sobre foro competente e direito processual; 5.2.1. Foro competente em caso de consumo ativo. - 6. Direito aplicável à demanda de consumo transfronteiras. – 7. O caso “Panasonic”. – 8. Considerações finais.



1. APRESENTAÇÃO.

Convidado a participar desta obra em homenagem ao eminente Professor Jacob Dolinger, imediatamente me lembrei de suas lições durante o curso de pós-graduação na UERJ, pois tive a ventura de ser seu aluno. Quando ele ofereceu a disciplina tendo por tema obrigações e contratos internacionais, apesar de já ter completado o currículo de disciplinas e carga horária exigidos para a conclusão do curso de mestrado, não vacilei e imediatamente me inscrevi como seu pupilo. Assim, tive a chance de conhecer o brilhante e consagrado mestre, e constatar o que se evidencia ao estudioso do Direito Internacional Privado quando se debruça sobre a vasta obra do Professor Jacob Dolinger: a sua profunda cultura jurídica e filosófica, somada à excepcional simpatia e capacidade pedagógica. Posteriormente, tive a grande honra de contar com o Professor Dolinger como membro da banca de examinadores que avaliaram minha pesquisa e dissertação(1). A experiência de ser seu aluno em muito enriqueceu minhas reflexões sobre o direito do consumidor no plano internacional.

Esta homenagem é justo tributo ao dedicado Jurista que devotou a sua vida à docência, à pesquisa, ao aperfeiçoamento e à difusão do Direito Internacional Privado no Brasil e no exterior.

O tema sobre o qual farei algumas reflexões, surge como um novo desafio para os estudiosos dedicados ao Direito Internacional Privado, em razão de suas peculiaridades específicas.

2. INTRODUÇÃO.

O século XX viu nascer um novo ramo do Direito, decorrente da completa transformação das relações econômicas e jurídicas levada a cabo pelo desenvolvimento tecnológico e pela massificação do consumo, o Direito do Consumidor. E com ele uma filosofia dotada de princípios próprios na qual a vulnerabilidade do consumidor é o principal vetor, em razão do desequilíbrio estrutural do mercado que transforma o consumidor em hipossuficiente em relação ao fornecedor.

O Direito do Consumidor passa a gerir as relações jurídicas entre fornecedor e consumidor, e para tanto tem por característica se constituir num microssistema jurídico multidisciplinar e interdisciplinar, composto de normas de direito público e privado reunidas por princípios filosóficos próprios do Direito do Consumidor, como também tem por característica preencher com seus princípios e filosofia todas as normas, independentemente do ramo de direito ao qual tradicionalmente pertençam, sempre que forem aplicadas a uma relação de consumo. E, assim tem sido, com maior ou menor intensidade nos países capitalistas. Todos os países capitalistas possuem um direito próprio para aplicação às relações de consumo.

O enfoque do Direito do Consumidor, como não poderia deixar de ser, sempre foi nacional, pois a ordem jurídica do Estado se faz presente nos limites de seu território. Ocorre que, a cada dia com maior intensidade, o consumidor vem se inserindo diretamente, sem intermediários, no comércio internacional. Outrora, para consumir um produto importado, o consumidor se valia de um importador, um intermediário entre ele e o fornecedor. Hoje, com o desenvolvimento do computador pessoal e a internet, o consumidor não precisa de intermediários. A partir de sua casa pode consumir qualquer produto, nacional ou internacional, de maneira simples e rápida, valendo-se do computador e da internet. Através dos meios eletrônicos escolhe o produto, faz a encomenda e realiza o pagamento, com alguns poucos clics do mouse do seu computador. Para tanto, confia incondicionalmente na oferta do fornecedor quanto às qualidades do produto anunciadas, bem como na sua honestidade, e paga o bem adquirido fornecendo o número do cartão de crédito. E espera o produto. E espera que o produto tenha as qualidades que deseja, que não apresente problemas, ou, caso apresente problemas, que a garantia do fornecedor seja ampla, completa e proporcionada de maneira fácil e rápida. Espera também que o site do fornecedor seja inviolável, de modo que ninguém faça uso indevido do número do seu cartão de crédito.

Do mesmo modo, age o consumidor que utiliza outros meios para o consumo a distância como, por exemplo, a televisão e o telefone. A cada dia são mais comuns os programas televisivos destinados à venda de produtos a varejo. Com um mero telefonema, o consumidor, fascinado pelo anúncio televisivo, compra o produto e realiza o pagamento informando o número do seu cartão de crédito a alguém que não conhece, não vê e não pode identificar de pronto, confiando que seja o preposto do fornecedor honesto, competente e eficiente.

Os produtos e serviços comercializados a distância são os mais variados: livros, cds, jóias, automóveis, softwares, enfim, tudo pode ser comercializado pela internet, por telefone ou por carta, dos produtos e serviços mais baratos aos mais dispendiosos. Mas qual a efetiva proteção que esses consumidores internacionais possuem? Como poderão exercer seus direitos contra um fornecedor situado no estrangeiro? Quais direitos realmente possuirão ao se confrontar com esse fornecedor estrangeiro?

O nosso objetivo neste trabalho é justamente refletirmos sobre a proteção do consumidor internacional. Nessa problemática se insere necessariamente a análise da efetividade da proteção do consumidor ativo, ou seja, do consumidor que se desloca do seu país de origem para consumir, ou que, fazendo turismo, consome no estrangeiro. O turismo internacional é importante fonte de riqueza dos Estados, e o amparo do consumidor-turista constitui uma necessidade jurídica e econômica.

Nas linhas que se seguem, sem a intenção de esgotar o assunto, buscaremos demonstrar os problemas que a lide de consumo internacional gera, as soluções existentes, e ofereceremos algumas sugestões. O nosso enfoque é primordialmente brasileiro, mas nos valeremos do direito comparado para desenvolver a temática, especialmente o direito comunitário europeu o qual vem se dedicando a regulamentar a matéria na Comunidade Européia.



3. OS CONCEITOS DE CONSUMIDOR, FORNECEDOR E RELAÇÕES DE CONSUMO, NO DIREITO BRASILEIRO.

A relação de consumo é uma relação jurídica entre desiguais. O consumo contemporâneo é marcado pela massificação da produção e da contratação. O volume de negócios do fornecedor impõe padronização na colocação do produto no mercado e isso significa que o consumidor simplesmente se limita a aderir à proposta do fornecedor, sem nenhuma margem de negociação, sob pena de não obter o bem necessário para a satisfação de suas necessidades humanas. Para tanto, o consumidor necessariamente confia nos termos da oferta, na qualidade do produto com base na notoriedade da marca, enfim, apenas crê, pois só terá certeza das qualidades do produto ou serviço após consumir. Essa desigualdade entre fornecedor e consumidor na relação de consumo é que justifica o tratamento desigual dos contratantes, protegendo o mais fraco (favor debilis) e reequilibrando a relação jurídica(2).

Esta desigualdade acarreta uma situação de vulnerabilidade que fragiliza o consumidor e que cabe ao Direito reparar. Essa vulnerabilidade pode ser técnica, na qual o consumidor não possui conhecimentos técnicos sobre o bem ou serviço que está consumindo; jurídica ou científica, na qual há falta de conhecimentos jurídicos e científicos do consumidor sobre os elementos do produto, serviço, ou do contrato, e que gera o dever do fornecedor de informar; ou fática, na qual há desproporção fática de forças, intelectuais e econômicas, que caracteriza a relação de consumo(3).

Assim sendo, como conclui Maria Antonieta Zanardo Donato(4), “a verificação da vulnerabilidade do consumidor constituir-se-á na viga mestra do Direito do Consumidor. A princípio, todos os consumidores são vulneráveis”.

A vulnerabilidade do consumidor é expressamente reconhecida no direito brasileiro como princípio diretor da ordem jurídica consumerista, consagrado na Lei n. 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, Capítulo II, em que é estabelecida a Política Nacional das Relações de Consumo, especialmente no artigo 4o., inciso I, e continua a formar como elemento essencial as disposições que se seguem nos demais incisos desse artigo e nos demais artigos do Código, refletindo na tutela de direito material e processual proporcionada em favor do consumidor a preocupação do legislador em assegurar ao consumidor o efetivo exercício de seus direitos e acesso à Justiça.

No Direito estrangeiro, as legislações consumeristas também possuem princípios comuns centrados na superação da debilidade e desigualdade do consumidor, pois, como leciona Jean M. Arrighi(5), visam a superar a real situação de vulnerabilidade do consumidor, regulando a fase pré-contratual e contratual, instituindo a responsabilidade objetiva do fornecedor e criando novos instrumentos processuais que facilitem o acesso à Justiça e, via de regra, alçando suas normas ao grau de normas de ordem pública e de aplicação imediata.

O consumidor é, portanto, o centro de todo o sistema e, no estado atual da disciplina consumerista, como expõe Ricardo Luis Lorenzetti(6), a figura do consumidor e seu conceito são o fundamento do microssistema.

Assim, conforme o Direito em análise, nacional, estrangeiro ou convencional, o consumidor poderá ser estritamente a parte (pessoa física, pessoa jurídica, ou um ente coletivo) de um contrato de consumo mantido com um fornecedor para a aquisição de bens ou serviços para fins não profissionais, ou abranger pessoas que a ele são equiparadas, ou ainda estender o conceito a sujeitos considerados consumidores por serem destinatários fáticos, independentemente do fato de serem destinatários econômicos(7).

No entanto, podemos afirmar de maneira genérica, ter predominado na doutrina e nos ordenamentos jurídicos dos povos a caracterização do consumidor como aquele que consome bens ou serviços, públicos ou privados, para atender necessidades próprias e não profissionais, caracterização essa que valoriza o consumidor como destinatário final econômico do bem(8). Trata-se da interpretação finalista, a qual restringe a figura do consumidor àquele que adquire ou utiliza um produto para uso próprio e/ou de sua família, ou seja, não incorpora o bem ou serviço à cadeia produtiva; não o utiliza para fins profissionais(9) . Isso ocorre porque só essa categoria de agentes econômicos realmente encontra-se em situação de hipossuficiencia a justificar uma proteção especial, a qual visa reequilibrar a relação jurídica mantida com o fornecedor(10).

No Código de Defesa do Consumidor brasileiro a definição de consumidor, e a possibilidade de extensão da sua proteção a sujeitos equiparados a consumidores, é das mais amplas entre as legislações contemporâneas.

Dispõe o artigo 2o. ser consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Destinatário final deve ser interpretado como destinatário final econômico, ou seja, aquele que consome para fins privados e não profissional. Nesse sentido, aponta a jurisprudência dominante nos tribunais brasileiros, inclusive no Superior Tribunal de Justiça. A título de exemplo, cita-se o seguinte aresto:



“MÚTUO – REDUÇÃO DA MULTA CONTRATUAL DE 10% PARA 2% - INEXISTÊNCIA NO CASO DE RELAÇÃO DE CONSUMO. Tratando-se de financiamento obtido por empresário, destinado precipuamente a incrementar a sua atividade negocial, não se podendo qualificá-lo, portanto, como destinatário final, inexistente é a pretendida relação de consumo. Inaplicação, no caso, do Código de Defesa do Consumidor. Recurso especial não conhecido" (STJ – 4a. T. – Resp 218505/MG – rel. Min. Barros Monteiro – j. 16.09.1999).(11)



O parágrafo único do artigo 2o. equipara a consumidor “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Por sua vez, o artigo 17 equipara a consumidor todas as vítimas de um acidente de consumo, ou seja, a legislação consumerista protege e equipara a consumidor todo aquele que for vítima de acidente decorrente de produto ou serviço, independentemente de ser parte em contrato de consumo, ou ser usuário do produto ou serviço colocado no mercado de consumo. O artigo 29, inserido no Capítulo V que dispõe sobre práticas comerciais, equipara a consumidor todas as pessoas determináveis ou não expostas às práticas previstas no capítulo e no capítulo seguinte (o Capítulo VI do CDC trata da proteção contratual). Os consumidores por equiparação correspondem aos bystanders do Direito anglo-saxão.

O conceito de fornecedor é dado pelo artigo 3o. da Lei n. 8.078/90, e assim é considerado toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ou ainda os entes despersonalizados que colocarem no mercado produto ou serviço em caráter profissional e com intuito de lucro. Nesse rol se incluem os profissionais liberais (artigo 14, parágrafo 4o.).

Os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 3o. definem produto ou serviço de forma ampla. O parágrafo 1o. caracteriza como produto “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. O parágrafo 2o. conceitua como serviço qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, salvo as decorrentes de contrato de trabalho, e incluindo os serviços diretamente gratuitos, mas indiretamente remunerados ou onerosos como os decorrentes de marketing empresarial(12) .

Assim sendo, podemos afirmar que a relação de consumo é a relação jurídica mantida entre fornecedor e consumidor, decorrente de contrato, ou decorrente de utilização de bem ou serviço posto no mercado de consumo, ou ainda a decorrente de responsabilidade civil extracontratual com consumidor equiparado(13).


3.1. O CONSUMIDOR INTERNACIONAL E SUA PARTICULAR VULNERABILIDADE.

Definido quem é consumidor e fornecedor, segundo o Código de Defesa do Consumidor brasileiro, nos parece fácil definir o consumidor internacional como aquele que mantém relação de consumo com fornecedor situado no estrangeiro. O que caracteriza a internacionalidade de uma relação jurídica é estar conectada a dois ou mais ordenamentos jurídicos.

Nesse sentido, a relação de consumo transfronteiras é a que se estabelece entre fornecedor e consumidor domiciliados em Estados diferentes. O critério para se estabelecer como internacional a relação de consumo deve ser baseado no domicílio, pois é o fato de estarem fornecedor e consumidor domiciliados em Estados diversos, e, conseqüentemente, sujeitos a ordenamentos jurídicos diversos, que ensejará o conflito de leis no espaço em matéria de consumo. Via de regra, as normas consumeristas são de ordem pública, como são as brasileiras (artigo 1o. da Lei n. 8.078/90), e indisponíveis e inafastáveis pelos particulares(14), destinadas principalmente à aplicação imperativa no âmbito do território estatal.

A doutrina vem classificando o consumidor internacional conforme sua postura na formação da relação de consumo, para dela extrair conseqüências jurídicas importantes quanto à definição do Direito aplicável ao conflito de consumo nascido de tais relações, bem como para definir o foro competente para o processo e julgamento da demanda. A mais significativa e adaptável ao Direito brasileiro, no nosso entender, é a classificação utilizada pela doutrina alemã que distingue os consumidores em passivos e ativos. O consumidor passivo é aquele que contrata com o fornecedor estrangeiro de seu domicílio, atendendo a uma oferta que lhe é dirigida pelo fornecedor, sem deslocamento físico para o estrangeiro (passive Verbraucher). O consumidor ativo, diferentemente, é aquele que se desloca de seu país para outro país e nele consome, como fazem os turistas internacionais (aktive Verbraucher) (15).

A vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor é fato econômico que a ordem jurídica procura superar, decorrente da própria estrutura do mercado(16). Nas relações de consumo internacionais, além dos elementos que normalmente caracterizam a vulnerabilidade do consumidor, outros elementos decorrentes das características particulares da relação de consumo internacional vêm-se somar para fragilizar, ainda mais, a situação do consumidor. Esse consumo possui especificações peculiares que o tornam especialmente problemático quando presentes, as quais arrolamos a seguir:

1) falta de continuidade no consumo internacional, o que se torna fator para aumentar a debilidade do consumidor em razão do desconhecimento sobre o fornecedor, sobre a qualidade do produto, sobre os riscos do contrato, pois o consumo de produtos internacionais não é feito com regularidade, assim como as viagens internacionais. Quando o consumidor firma relação de consumo internacional o faz pela oportunidade, pela confiança no fornecedor, muitas vezes confiando também numa proteção legal inexistente, ou simplesmente inacessível, assumindo riscos sobre os quais por vezes não está consciente ao fornecer o seu número do cartão de crédito(17). A isto se soma o fato de ser seduzido pelas técnicas modernas de marketing, e não receber um atendimento diferenciado segundo suas necessidades em razão da massificação da oferta;

2) nos contratos turísticos, a difícil reexecução de um serviço, ou mesmo a impossibilidade de reexecução do mesmo, quando o contrato é inadimplido pelo fornecedor estrangeiro, é um fator que não pode ser desconsiderado, como ocorre, por exemplo, nos contratos de turismo internacional nos quais é impossível repor os momentos perdidos numa excursão mal conduzida, ou suprir deficiências no serviço de hotelaria que diminuem o brilho e o prazer dos momentos de lazer;

3) a barreira lingüística entre o fornecedor e o consumidor, que pode impedir o consumidor de obter pleno conhecimento das informações necessárias para a contratação, para comunicar-se, etc.;

4) a falta de informação adequada ao consumidor sobre o produto, seu preço, câmbio da moeda, condições de venda, garantia, etc.;

5) pagamento das compras no estrangeiro, seja com cheques ou cartões de crédito, por meios eletrônicos;

6) garantia e serviço pós-venda, uma vez que esses direitos podem não estar disponíveis no país do consumidor e podem exigir despesas para remessa ao país do fornecedor, ou simplesmente não existirem meios para a fruição efetiva da garantia;

7) diversidade de normas nacionais sobre direitos do consumidor;

8) existência de diferentes sistemas jurídicos e judiciários, o que gera mal-entendidos e insegurança, ou mesmo prejuízo efetivo, em razão do desconhecimento da lei aplicável à relação de consumo ou à eventual demanda surgida com o fornecedor, somado à complexidade do direito internacional privado e às questões referentes ao acesso à Justiça como, por exemplo, o Direito Processual Civil que será aplicado judicialmente - e os procedimentos que se desenvolverão em caso de litígio -, bem como questões quanto à jurisdição internacional competente e reconhecimento e execução da sentença estrangeira(18);

9) o custo de sustentar um litígio no qual todos os trâmites processuais, ou parte deles, se desenvolverá no estrangeiro, comparado ao pequeno valor do contrato de consumo.

Estas particularidades que envolvem e dificultam a satisfação do consumidor internacional é que precisam ser superadas, ou corrigidas, pela ordem jurídica nacional e internacional, seja através de políticas e regras comunitárias comuns de direito material e processual - no caso de mercados economicamente integrados, como o MERCOSUL (19) -, seja através de convenções internacionais que facilitem a cooperação judiciária e padronizem regras de direito internacional privado especialmente em matéria de consumo(20).

4. RELAÇÕES DE CONSUMO ENVOLVENDO IMPORTADORES, AGÊNCIAS DE TURISMO E EMPREENDEDORES DE TIME-SHARING.

Entendemos ser importante esclarecer se a relação de consumo que tenha como parte o importador, ou agência de turismo que opere pacotes turísticos internacionais, ou o operador de contrato de time-sharing, se caracteriza como relação de consumo internacional e, em caso afirmativo, quais são as conseqüências que se extrai da natureza desta relação jurídica no pertinente à proteção do consumidor brasileiro.

A questão nos parece complexa, uma vez que o consumidor brasileiro, ao tratar com fornecedores de produtos ou serviços internacionais domiciliados no Brasil, firma contrato que aparenta ser nacional, mas a relação jurídica que dele surge se estende e obriga empresários estrangeiros envolvidos na cadeia de fornecimento do produto ou do serviço. Isso porque o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 12 a 14, 18 a 19 e 28, cria um sistema de responsabilidade solidária entre empresários-fornecedores que vincula toda a cadeia produtiva responsável pela colocação do produto ou serviço no mercado, e, quando a responsabilidade principal e solidária estabelecida pela lei não é suficiente para assegurar os direitos do consumidor lesado, estabelece o Código de Defesa do Consumidor responsabilidade subsidiária entre pessoas empresárias que não estão diretamente vinculadas à colocação do produto viciado no mercado, mas que são pertencentes ao mesmo grupo empresarial.

Estes contratos – que, por vezes, podem ser classificados como internacionais por apresentarem características próprias dessas espécies de contratos, pela presença de um elemento que o ligue a dois ou mais ordenamentos jurídicos: como domicílio das partes em Estados diferentes, ou a celebração em um Estado para ser cumprido em outro(21) -, para o consumidor, muitas vezes, não evidenciam o elemento de estraneidade, em razão da própria percepção limitada do consumidor quanto aos aspectos técnicos e jurídicos do pacto. O consumidor ao contratar o considera um contrato nacional, uma vez que ele e o fornecedor, ou o preposto do fornecedor, estão domiciliados no Brasil e no Brasil celebram o contrato. Conseqüentemente, sequer imaginam a hipótese de sustentar uma lide no estrangeiro em caso de inadimplemento contratual, ou vícios e defeitos no produto ou serviço.

O consumidor brasileiro, ao comprar um produto importado em território nacional, realiza um contrato de consumo a princípio nacional, mas a relação jurídica de consumo – assim entendida a responsabilidade civil decorrente de vícios ou defeitos do produto – alcança o fornecedor estrangeiro, do distribuidor até o fabricante, em razão da responsabilidade solidária que os vincula. Do mesmo modo, o turista que contrata com uma agência de turismo nacional uma viagem pela Europa realiza um contrato a princípio nacional(22), mas a relação de consumo e a responsabilidade civil dela decorrente se estendem a todos os fornecedores de serviços que estão no exterior: transportadores, hotéis, operadores e guias turísticos locais.

Nos contratos de time-sharing ou multipropriedade, o consumidor adquire direitos ao uso de imóvel turístico no exterior para fruição em determinados períodos de tempo previamente contratados, cuja operação e comercialização se faz por empresários e empreendedores estrangeiros, domiciliados no exterior. A contratação, no entanto, se dá através de prepostos ou corretores situados no Brasil(23) . Nesse caso, o contrato e a relação de consumo, se considerarmos o domicílio dos contratantes, é internacional.

Assim sendo, podemos considerar todas estas relações jurídicas acima elencadas como relações de consumo internacional, pois conectadas com outras ordens jurídicas além da ordem jurídicas brasileira, aptas a evidenciar um conflito aparente de leis e de jurisdições. Como ensina Jacob Dolinger:



“O conflito de leis versa as relações humanas ligadas a dois ou mais sistemas jurídicos cujas normas materiais não coincidem, cabendo determinar qual dos sistemas será aplicado.

O conflito de jurisdições gira em torno da competência do Judiciário de cada país na solução dos conflitos que envolvem pessoas, coisas ou interesses que extravasam os limites de uma soberania. À competência jurisdicional internacional está ligado o tema do reconhecimento e execução de sentenças proferidas no estrangeiro.” (24)



Caracterizando estas relações de consumo como internacionais, podemos afirmar que, em tese, as questões que embaraçam o exercício dos direitos dos consumidores internacionais também embaraçam a fruição dos direitos desses consumidores que estamos enfocando neste tópico.

No entanto os consumidores que mantêm relações jurídicas com os fornecedores que ora estamos estudando, via de regra não precisarão sustentar lide no exterior, ou promover a execução de decisão brasileira no estrangeiro. Isso se dá por uma característica do nosso direito do consumidor: a responsabilidade solidária de todos os fornecedores e, principalmente, como vem afirmando a jurisprudência, a responsabilidade principal ou subsidiária, conforme o caso, do fornecedor-contratante situado em território nacional, ou de prepostos, filiais, ou pessoas jurídicas domiciliadas em território nacional e vinculadas, de fato ou de direito, ao empresário fornecedor. Passemos a examinar individualmente a situação jurídica de cada um desses empresários e fornecedores citados, em lide com o consumidor.

O importador, apesar de ser comerciante e não produtor, responde civilmente por ser o responsável pela internalização do produto no mercado brasileiro, sendo, conseqüentemente, o primeiro responsável por sua qualidade(25). Nesse sentido, veja-se o seguinte aresto do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:



“AÇÃO DE CONHECIMENTO CONDENATÓRIA – VEÍCULO NOVO E IMPORTADO – VÍCIO DE QUALIDADE NÃO SANADO – SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO VEÍCULO – ADMISSIBILIDADE – PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA – LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA AFIRMADAS – PERCENTUAL DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDO. 1. [...]3. O fabricante e o comerciante, em se tratando de vício do produto, podem ser demandados conjuntamente, pois sua responsabilidade, nesta situação, é solidária, sendo portanto partes legítimas a figurar no pólo passivo da relação processual referente à demanda em que o consumidor postula a substituição do bem viciado (art. 18, caput, do CDC).4. Uma vez não sanado o vício constatado no automóvel novo importado, no prazo de trinta dias (art. 18, parágrafo 1o., do CDC), conforme revela conjunto probatório, torna-se cabível o pedido de substituição desse bem por outro da mesma espécie e em perfeitas condições de uso (art. 18, parágrafo 1o., I, do CDC).5. Percentual de honorários advocatícios mantido, pois fixado conforme a lei processual. Apelações improvidas.(TJRS – 11a.Câm. – ApCiv 70001577154 – rel. Des. Voltaire de Lima Moraes – j. 22.11.2000)” (26)



As filiais e pessoas jurídicas filiadas, coligadas, consorciadas, ou de qualquer forma vinculadas a grupo econômico transnacional, também vêm sendo responsabilizadas pela Justiça brasileira por produtos comercializados por empresas do grupo econômico ao qual pertencem, mesmo que as empresas que colocaram o produto no mercado sejam estrangeiras, não atuem no mercado nacional, e o produto, embora leve marca que identifica os produtos do holding, não seja comercializado no Brasil. A jurisprudência brasileira entende que deve se proteger a confiança que o consumidor deposita na marca que o seduz e o leva a consumir, pois todo o grupo econômico é favorecido pela comercialização do produto. Para tanto, vale-se o Judiciário do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor e da teoria da superação da personalidade jurídica. O acórdão paradigma no tema é o do caso “Panasonic”, o qual comentaremos no tópico 7, mas novas decisões judiciais vêm surgindo, v.g. a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:



“Mercadoria adquirida com defeito ostentando marca de multinacional que opera no Brasil através de empresa controlada. Vício do produto. Responsabilidade objetiva a teor da regra expressa do artigo 28, parágrafos 2o. e 3o. do CDC. Artifícios societários direcionados a subtrair o direito do consumidor. Dano moral com ênfase no caráter pedagógico, sopesando particularmente a situação econômica da ré, de modo a desencorajar a reiteração. Voto vencido que enfoca com precisão a essência da questão controvertida. Dá-se provimento aos embargos infringentes para prevalecer os termos do voto vencido”



A ementa acima não é muito clara, portanto explicaremos brevemente o caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, contra o qual não foi admitido Recurso Especial e o Agravo de Instrumento - n. 499.200-RJ (2003/0006304), rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 16.06.2003, DJ de 27.08.2003 - teve negado provimento no Superior Tribunal de Justiça. O caso é o seguinte.

José Selim Khalili ajuizou ação indenizatória em face da Sony Comércio e Indústria Ltda. (processo n. 98.001.020.871-0), pessoa jurídica brasileira, em razão de vícios em aparelho televisor fabricado pela Sony Corporation, pessoa jurídica domiciliada no estrangeiro, comprado de importador independente na zona franca de Manaus. O aparelho não é fabricado ou comercializado no Brasil pela Sony brasileira. Em 1o. grau de jurisdição, a 32a. Vara Cível da Comarca da Capital – RJ (Jz.substituto Helio C. Campinho, j. 20.03.2000) condenou a Sony brasileira a fornecer ao consumidor aparelho idêntico ao adquirido pelo consumidor, em perfeitas condições de uso, e ao pagamento de indenização por danos morais. A Sony apelou (AC n. 2000.001.17098) e a 15a. Câmara Cível do TJERJ deu provimento ao apelo por maioria e cassou a sentença (j.22.08.2001, DO 20.03.2001). Por meio de embargos infringentes, cuja ementa está acima transcrita, foi cassado o acórdão, fazendo prevalecer os termos do voto vencido da lavra do revisor Des. Nilton Mondego de C. Lima, o qual mantinha a decisão de primeiro grau – mas aumentando o valor da indenização para cem salários mínimos e os honorários de sucumbência para 20% do valor da condenação -, sob o fundamento de que a Sony Corporation controla a Sony Comércio e Indústria Ltda, estabelecida no Brasil, sendo na prática a mesma pessoa, e, portanto, responsável civilmente pelo vício do produto.

A opção do tribunal foi clara e precisa em seu intuito de proteger a boa-fé do consumidor, e legalmente amparada no Código de Defesa do Consumidor, especialmente no artigo 28.

No que tange aos contratos entre as agências de turismo e consumidores, como o pacto é de “viagem turística” e o serviço inclui transporte, hospedagem, traslados, passeios turísticos locais, atividades recreativas, etc, os tribunais brasileiros vêm entendendo que a agência de turismo é a responsável perante o consumidor por qualquer falha no serviço, embora para adimplir o contrato o agente turístico dependa de uma rede de fornecedores.

Neste caso, a jurisprudência considera ser a relação contratual entre a agência de viagem com o consumidor principal, logo a agência é a responsável pelo inadimplemento do contrato e pelos vícios e defeitos na execução do serviço como um todo. A agência de viagens responde pelos defeitos e vícios no fornecimento do serviço por terceiros envolvidos na atividade turística contratada, pois estes terceiros são considerados como prepostos ou auxiliares da agência. A jurisprudência brasileira vem, pacificamente, responsabilizando solidariamente as agências de turismo, em caso de falha de qualquer terceiro prestador direto do serviço, mesmo se tratando de transporte aéreo, marítimo, ou terrestre(27). Cite-se, a título de exemplo, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:



“Responsabilidade Civil – Agência de viagens – Código de Defesa do Consumidor – Incêndio em embarcação. A operadora de viagens que organiza pacote turístico responde pelo dano decorrente do incêndio que consumiu a embarcação por ela contratada. Passageiros que foram obrigados a se lançar no mar, sem proteção de coletes salva-vidas, inexistentes no barco.(Resp 291384/RJ, rel.Min.Ruy Rosado de Aguiar, 15.05.2001)” (28)



Por fim, tratando-se do contrato de multipropriedade, como a publicidade e venda acontecem no território brasileiro, a jurisprudência destaca a importância do princípio da boa-fé, da proteção da confiança do consumidor, bem como a teoria da aparência para estabelecer responsabilidade solidária e legitimação passiva de todos os envolvidos na comercialização do negócio, sejam os empresários estrangeiros responsáveis pelo negócio, sejam seus representantes, corretores ou prepostos(29). Como exemplo, citamos o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:



“MULTIPROPRIEDADE – CONTRATO INTERNACIONAL – CONTRATAÇÃO NO BRASIL – EMPREENDIMENTO LOCALIZADO NO URUGUAI – LINGUA ESTRANGEIRA – PROMITENTE VENDEDOR – MANDATÁRIO – TEORIA DA APARÊNCIA – DESCONHECIMENTO DAS CLÁUSULAS RELATIVAS AO USO DO IMÓVEL – ART. 49 DO CDC. 1. É parte legítima para figurar no pólo passivo da ação de resolução de contrato internacional de promessa de compra e venda de ações relativas ao uso de imóvel pelo sistema de multipropriedade a empresa brasileira que, no Brasil, promove a informação, publicidade e oferta do empreendimento a ser realizado no exterior, como se fosse o titular do direito. A transmissão de confiança de uma situação jurídica e a omissão de sua real condição de mandatária importa na sua responsabilidade pela contratação. Ainda mais quando foi a responsável pela elaboração do contrato, tendo infringido o princípio da transparência e do dever de informação. Fere o princípio da boa-fé e da doutrina dos atos próprios a alegação de ilegitimidade passiva ‘ad causam’. 2. Não obriga o consumidor a promessa de contrato de multipropriedade celebrado em língua estrangeira e do qual não teve ciência das cláusulas relativas ao uso do imóvel a ser adquirido. Apelação desprovida. Recurso adesivo provido em parte.(TJRS – 9a. Câm. – ApCiv 196182760 – rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza – j. 19.11.1996).” (30)


5. ACESSO À JUSTIÇA.

A expressão acesso à Justiça significa, segundo Mauro Cappelletti, “o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individuais e socialmente justos ”(31).

Mauro Cappelletti, na condução do Projeto Florença(32) , identificou os seguintes obstáculos ao acesso à Justiça: o alto valor das despesas judiciais inviabilizando pequenas causas; a incapacidade econômica das partes em manter e suportar o litígio; o tempo excessivo para resolução do litígio pelo aparelho judiciário(33); inaptidão do lesado para reconhecer um direito e propor uma ação; a desvantagem entre o litigante ‘habitual’ e o litigante ‘eventual’, uma vez que o litigante habitual está mais preparado para enfrentar o litígio; e as dificuldades típicas para a proteção dos interesses difusos e coletivos. Constatou que, a partir de 1965, surgiu um movimento para a solução desses problemas, ou “ondas” como chama. A primeira onda objetivou assistência judiciária para os pobres, a segunda referiu-se às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica aos interesses difusos, e a terceira, denominada “enfoque de acesso à justiça”, porque, incluindo os posicionamentos anteriores vai além, busca atacar as barreiras ao acesso à Justiça de modo articulado, amplo e compreensivo(34), seja simplificando regras, seja criando novos instrumentos e soluções processuais, sempre enfrentando as barreiras para tornar os direitos materiais efetivos e não apenas simbólicos.

No entanto, em razão da complexidade das relações jurídicas mantidas no contexto de um mundo globalizado, novos desafios surgem especialmente para o acesso à Justiça internacional, inclusive para os decorrentes de conflitos de consumo transfronteiriços. Nesse contexto, os novos desafios a superar em se tratando de conflito de consumo transfronteiras são, em linhas gerais, os seguintes: 1) dificuldades inerentes à determinação da jurisdição competente no plano internacional; 2) o cumprimento de atos no estrangeiro; 3) o reconhecimento e a execução das decisões judiciais estrangeiras; 4) a possibilidade, ou não, de decisões prolatadas em ações coletivas produzirem efeitos no estrangeiro.

Alguns desses problemas acima listados são derivados daqueles identificados por Cappelletti, e outros são característicos do litígio internacional ou das especificidades do consumo internacional.

A Comunidade Européia vem dedicando especial atenção ao consumo internacional em razão da integração econômica, uma vez que o consumo transfronteiras estimula o desenvolvimento econômico e social dos povos envolvidos no processo de integração econômica. Através dos chamados Livros Verdes(35), a Comunidade Européia buscou identificar problemas e soluções para a superação dos obstáculos existentes sempre que os litigantes se encontram domiciliados em países diferentes. As barreiras identificadas em seus estudos poderiam, em resumo, se considerar derivadas das seguintes dificuldades: 1) o custo, duração e complexidade do processo, mais as barreiras psicológicas que estas dificuldades acarretam ao consumidor; 2) a questão da jurisdição competente; 3) a comunicação e a notificação dos atos processuais por meios céleres e eficientes; 4) a tradução dos atos processuais; 5) as questões envolvendo a lei material aplicável à demanda (lex causae e regras de direito internacional privado) e ao procedimento do litígio (lex fori). Além dessas, outras barreiras também podem ser arroladas como: 1) obtenção de assistência judiciária qualificada, a qual possa fornecer ao consumidor informações sobre o direito do seu país e do país onde se situa o fornecedor. Normalmente o consumidor necessitará consultar profissionais de ambos os países para tanto. Esta assistência judiciária ser ou não gratuita é outra questão, considerando que o valor da relação de consumo tende a ser pequeno; 2) custos decorrentes de viagens e deslocamentos da própria parte, advogados e testemunhas; 3) determinação da lei aplicável aos atos instrutórios, o estabelecimento de eventual prerrogativa processual em favor do consumidor - como a inversão do ônus da prova -, a necessidade ou não de comparecimento pessoal nos atos judiciais e o local de sua realização; 4) o reconhecimento no estrangeiro da sentença e a sua execução(36).

Identificado os problemas, a Comunidade Européia tratou de solucioná-los através de normas e políticas comunitárias específicas destinadas a atacar diretamente os problemas constatados, de modo a estimular a participação do consumidor no mercado único ao proporcionar informação e segurança jurídica(37).

No Brasil o acesso do consumidor à Justiça é proporcionado pelo acesso à jurisdição comum, cujos procedimentos se desenvolvem pelos ritos previstos no Código de Processo Civil, e pelo acesso à jurisdição especial dos juizados especiais cíveis, cujo procedimento é simplificado e especialmente baseado na informalidade e oralidade, e se desenvolve pela Lei n. 9.099/95. Mas o Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078/90, também traz em seu bojo diversas normas de caráter processual e material para aplicação em conflitos de consumo, as quais favorecem o consumidor no conflito com o fornecedor, v.g.: o privilégio de demandar e ser demandado em seu domicílio (artigo 101, inciso I); inversão do ônus da prova (artigo 6o., inciso VIII), responsabilidade solidária e objetiva dos fornecedores em razão de vícios dos produtos ou serviços (artigos 12, 13, 14, 18, 19, 20); entre outras.

A assistência jurídica integral e gratuita está assegurada na Constituição Federal, art. 5o., inciso LXXIV, a brasileiros e estrangeiros que comprovarem insuficiência de recursos, devendo ser prestada prioritariamente através da Defensoria Pública nos termos da Lei Complementar n. 80, de 12.01.1994 (38), ou podendo ser prestada por advogado particular nomeado pelo juiz da causa e indicado pelo hipossuficiente para representar seus interesses, nos termos da Lei n. 1.060/50. Também é comum as faculdades de direito, públicas ou privadas(39), manterem escritórios para treinamento de alunos em prática forense, disciplina obrigatória no currículo do curso de Direito, dedicados a assistir gratuitamente aos necessitados e consumidores.

Independentemente dessas disposições, o acesso aos juizados especiais cíveis, para causas cujo valor não ultrapasse quarenta salários mínimos e que sejam de menor complexidade(40), é gratuito a todos, independentemente da condição econômica particular das partes, e não existe hipótese de condenação do sucumbente a arcar com honorários e custas em primeiro grau de jurisdição. Nesse caso, o vencido só arca com custas e honorários de advogado no caso de recurso(41).

No âmbito das ações coletivas, dispõe o art. 87 do Código de Defesa do Consumidor que não haverá pagamento de despesas judiciais, nem condenação de associação autora derrotada na lide, salvo comprovada má-fé, em honorários advocatícios e despesas processuais.

Contudo o Código de Defesa do Consumidor não traz nenhuma norma específica para aplicação aos conflitos internacionais de consumo, mas, no âmbito do MERCOSUL, existem estudos para a elaboração de regras para o consumo intracomunitário, e pelo menos uma regra de conexão de direito internacional privado comum aos Estados-Sócios. Além disso, o Protocolo de Cooperação Judiciária em matéria cível, comercial, trabalhista e administrativa de Las Leñas, e o Protocolo de Medidas Cautelares também socorrem os consumidores intracomunitários.

5.1. MERCOSUL.

O MERCOSUL foi constituído em 26.03.1991 através do Tratado de Assunção do qual são partes a República Federativa do Brasil, a República Argentina, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, com o objetivo de proporcionar a criação de um mercado comum entre os Estados-Partes. Em 17.12.1994 foi firmado o Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do MERCOSUL, conhecido como Protocolo de Ouro Preto, atribuindo personalidade jurídica de Direito Internacional ao bloco regional e aprimorando sua organização institucional a qual possui natureza intergovernamental(42). O MERCOSUL atualmente está numa fase que pode ser classificada como união aduaneira imperfeita.

Apesar dos eventuais problemas com que se deparam os Estados-Sócios, especialmente em razão da fragilidade econômica dos mesmos, o processo de integração econômica avança, e, para incrementá-lo, é imprescindível a participação do consumidor no mercado intracomunitário como agente econômico, mesmo porque a integração econômica visa à melhoria das condições de vida das populações dos Estados-Sócios do MERCOSUL(43).

O MERCOSUL atento a tais necessidades, vem estudando fórmulas para proporcionar proteção comunitária ao consumidor mercosulino, mas não vem obtendo progressos significativos.

O Grupo Mercado Comum(44) editou em 1994 a Resolução 126/94, norma de direito internacional privado(45), cujo art. 2o. dispõe que, até a aprovação de um Regulamento comum para a defesa do consumidor, cada Estado-Parte aplicará sua própria legislação sobre a matéria em relações de consumo intracomunitárias, instituindo assim a aplicação da regra do mercado de destino(46).

Também foram promulgadas as Resoluções ns. 123/96, 124/96, 125/96, 126/96, e 127/96, que seriam capítulos de um futuro regulamento comum em matéria de Direito do Consumidor no MERCOSUL, aplicável ao mercado único de maneira uniforme, ou seja, tanto em âmbito nacional quanto intracomunitário ou internacional. Em 1997, o regulamento comum que unificaria os direitos dos consumidores nos Estados-Partes(47), denominado Protocolo de Defesa do Consumidor do Mercosul, foi apresentado, aprovado e assinado pelo Ministério da Justiça brasileiro em 29 de novembro de 1997, mas recusado pela Delegação brasileira na Comissão de Comércio do Mercosul em 10 de dezembro do mesmo ano durante a XXV reunião, realizada em Montevidéu. O Protocolo assegurava aos consumidores direitos muito inferiores ao assegurado pela legislação brasileira, o que representaria um verdadeiro retrocesso na história da defesa do consumidor no Brasil e no continente, pois a sua incorporação ao ordenamento brasileiro significaria a revogação das disposições da Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor brasileiro, inclusive reduzindo o âmbito do conceito de consumidor ao tutelar somente o sujeito de relação contratual de consumo. Recusado o projeto, todas as anteriores Resoluções que seriam “capítulos” do Regulamento comum perderam qualquer eficácia e “nunca chegaram a entrar em vigor” (48).

Na mesma época, em 22 de novembro de 1996, foi editado o Protocolo de Santa Maria sobre Jurisdição Internacional em Matéria de Relações de Consumo(49), o qual visa estabelecer de maneira uniforme a competência internacional dos Estados-Partes, assegurando ao consumidor a prerrogativa de demandar e ser demandado somente no foro de seu domicílio, e também disciplinando outras questões de natureza processual internacional. No entanto este Protocolo não está em vigor por força do seu art. 18, o qual dispõe que a tramitação da aprovação do Protocolo no âmbito de cada um dos Estados Partes somente terá início após a aprovação do Regulamento Comum Mercosul de Defesa do Consumidor em sua totalidade, inclusive eventuais anexos, pelo Conselho do Mercado Comum. Como expusemos anteriormente, o Regulamento Comum não foi aprovado, e, apesar dos estudos desenvolvidos pela CT 7 (50), não existe nenhuma expectativa de que venha a ser aprovado futuramente um regulamento comum para os Estados-Sócios, pois os níveis de proteção ao consumidor nos Estados Partes não estão no mesmo patamar. A própria definição legal de consumidor é mais abrangente em alguns Estados, como no Brasil, do que em outros, o que torna remota a possibilidade de adoção num futuro breve de um regulamento comum sobre direitos do consumidor.

O Protocolo de Santa Maria, por sua vez, não possui boa redação e, na prática, quando e se entrar em vigor, não resolverá completamente o problema, pois, como já dito, suas disposições são limitadas e não abrangem todas as situações jurídicas que podemos considerar como relações de consumo no MERCOSUL, tendo como parâmetro as legislações nacionais dos Estados-Sócios(51), especialmente a legislação brasileira de caráter mais amplo e protetivo que as legislações dos demais países do MERCOSUL e da América Latina.

Assim, podemos afirmar que as autoridades mercosulinas estão num impasse prejudicial ao desenvolvimento do mercado único, uma vez que o consumidor mercosulino só goza da proteção da sua lei nacional.

A conseqüência é que, na prática, ao litigar com fornecedor estrangeiro situado no MERCOSUL, as condições do consumidor brasileiro não são significativamente melhores do que quando litiga com fornecedor estrangeiro de Estado que não seja sócio do MERCOSUL, uma vez que não existe uma norma comunitária sobre a matéria entre os Estados-Sócios, e a regra de conexão comunitária de Direito Internacional Privado (Resolução GMC n. 126/94) remete a solução do mérito da demanda ao direito do local onde é fornecido o produto ou serviço ao consumidor.

O consumidor mercosulino-litigante terá a seu favor o Protocolo de Las Leñas sobre cooperação judiciária em matéria cível e comercial e algumas disposições comunitárias que facilitam o litígio internacional no MERCOSUL, mas nenhuma norma material ou processual específica para aplicação ao consumo transfronteiriço.

5.1.1. ALGUMAS NOTAS SOBRE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA NO MERCOSUL.

A cooperação judiciária no MERCOSUL, especialmente em matéria cível e comercial, e conseqüentemente em matéria de consumo, se dá através do tradicional sistema de cartas rogatórias, o qual é regulado no mercado comum pelo Protocolo de Las Leñas de 1992 (52).

O sistema de carta rogatória, adotado no Protocolo de Las Leñas, estabelece distinção entre “atividades de simples trâmite e probatórias” (Capítulo IV) e “reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais” (Capítulo V) (53), e estabelece que o cumprimento das mesmas se dê por intermédio de autoridades centrais (Capítulo II).

Tratando-se de reconhecimento e execução de sentenças, o reconhecimento e a execução da decisão estrangeira pela autoridade nacional competente(54) não é dispensada(55) , mas o trâmite é simplificado e os atos necessários praticados ex officio(56) .

O procedimento a ser seguido para cumprimento da rogatória no país requerido obedece à lex diligentiae, podendo ser observadas formalidades adicionais indicadas pelo juízo rogante (artigo 12), devendo os atos requeridos serem praticados por impulso oficial e serem gratuitos (artigos 15 e 17), permitindo, assim, maior rapidez no trâmite da carta rogatória e menor custo do processo, desobrigando as partes também de constituir advogado no estrangeiro.

Tratando-se de medidas de caráter cautelar e executórias, no âmbito do MERCOSUL vige também o Protocolo de Medidas Cautelares de Ouro Preto, de 1994 (57).

No que tange à assistência jurídica gratuita no MERCOSUL, não existe convenção, ou qualquer resolução especificamente sobre a matéria em vigor, mas os Estados-Sócios firmaram um acordo sobre o benefício da justiça gratuita e assistência jurídica gratuita em 15.12.2000 através de Decisão do Conselho Mercosul CMC/DEC.49/00, e outro do mesmo teor entre os sócios e os associados Chile e Bolívia, CMC/DEC.50/00, o qual visa a garantir aos nacionais dos Estados-Partes a assistência jurídica e a sua manutenção quando da execução de qualquer ato em território de outro Estado-Sócio ou Associado.

Os Estados-Sócios possuem normas internas assegurando o benefício da assistência judiciária a seus nacionais, passíveis de serem estendidas a estrangeiros imediatamente, mormente mercosulinos, uma vez que o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, de Las Leñas, 1992, dispõe no art. 3o. que os cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados-Partes gozarão nas mesmas condições do livre acesso à jurisdição em outro Estado-Parte como fizerem jus os nacionais desse Estado, inclusive as pessoas jurídicas, vetando o artigo 4o. a exigência de qualquer caução ou depósito para o acesso à Justiça(58).

Por sua vez, o citado Protocolo dispõe que, para cumprimento das cartas rogatórias, não será exigido o reembolso de despesas, salvo “quando sejam solicitados meios probatórios que ocasionem custos especiais, ou sejam designados peritos para intervir na diligência...”(art.15), o que minimiza a questão quanto aos custos do processo.

O Protocolo de Medidas Cautelares firmado em Ouro Preto, 1994, prevê situações em que as custas e despesas judiciais são isentas (art. 25) e, em especial, face ao nosso tema(59), dispõe que, quando o requerente estiver sob o pálio da justiça gratuita, o benefício será automaticamente deferido no Estado rogado onde será cumprida a medida.

No MERCOSUL, além das convenções multilaterais, também mantêm os Estados-Sócios algumas convenções em nível bilateral. Nesse aspecto, merece ser citada a Convenção entre Brasil e Argentina sobre assistência judiciária gratuita, promulgada no Brasil pelo Decreto 62.978, de 11.07.1968, e na Argentina pela Ley 17.279, publicada em 23.05.1967 (60).

Para os litígios nos quais o consumidor brasileiro é ativo, ou seja, foi à Estado-Sócio do MERCOSUL e lá consumiu e pretende sustentar demanda no domicílio do fornecedor, o “Acordo Interinstitucional de Entendimento entre os Órgãos de Defesa do Consumidor dos Estados Partes do MERCOSUL para a Defesa do Consumidor Visitante”, firmado em Buenos Aires, Argentina, no dia 03 de junho de 2004, o socorrerá, pois nele se comprometem os referidos órgãos a reciprocamente prestarem auxílio jurídico ao consumidor de Estado-Parte em visita a outro Estado-Parte no qual se envolva em conflito de consumo com fornecedor do Estado-Parte que visita(61) .

5.2. QUESTÕES SOBRE FORO COMPETENTE E DIREITO PROCESSUAL.

Entre as questões mais importantes, envolvendo o litígio de consumo no plano internacional, está a determinação do foro competente para processar e julgar a lide. Em primeiro lugar, porque depende diretamente da localização do foro a efetiva possibilidade do consumidor ter acesso à Justiça. No litígio internacional de consumo, obrigar o consumidor a processar o fornecedor, ou a se defender em processo movido pelo fornecedor, fora de seu domicílio, significa, via de regra, impedir ao consumidor o acesso à Justiça. Em segundo, porque, para o reconhecimento e execução da sentença estrangeira, o tribunal competente faz o controle de competência indireto, ou seja, verifica se o tribunal prolator da decisão é competente e se não feriu norma nacional de atribuição de competência exclusiva à órgãos judiciários nacionais para conhecer e julgar a demanda.

As normas sobre a competência internacional brasileira estão previstas no Código de Processo Civil de 1973, artigos 88 e 89, e nenhuma delas assegura foro privilegiado ao consumidor em litígio internacional.

No entanto, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro constituiu um novo microssistema, caracterizado pela interdisciplinaridade, conseqüentemente a norma do artigo 101, inciso I, que fixa a competência do foro do domicilio do consumidor para os litígios em que for parte, delimita tanto a competência interna quanto à competência internacional brasileira nesta matéria, pois todas as disposições da Lei n. 8.078/90 são de ordem pública, não estando de qualquer maneira essa competência limitada pelas disposições sobre jurisdição internacional do Código de Processo Civil.

Quando as normas de competência internacional dispostas no diploma processual civil brasileiro são insuficientes para precisar a jurisdição internacional brasileira, têm a doutrina e a jurisprudência se socorrido das normas de competência interna, seja utilizando o critério da efetividade da decisão(62), seja em razão do Princípio do Maior Interesse(63). Frise-se, entretanto, que a matéria é controvertida especialmente na doutrina.

O fundamento para a utilização das regras de competência interna para suprir lacunas nas regras de competência internacional, quando se tratar de conflito envolvendo consumidor, está no fato de que o direito processual civil brasileiro assegura foro privilegiado a determinados sujeitos em caráter protetivo. O Código de Processo Civil brasileiro, por exemplo, assegura em seu art. 100, inciso I, a competência do foro da residência da mulher para a ação de separação dos cônjuges, para a conversão dessa em divórcio e para a anulação de casamento. Jacob Dolinger – apoiado em sólida doutrina e jurisprudência - defende a extensão desta norma de competência interna às hipóteses de litígios internacionais, baseado em raciocínio simples: se a lei protege a mulher, assegurando foro privilegiado para processar ou ser processada dentro do país, no intuito de protegê-la, com mais razão deverá a lei assegurar o seu foro privilegiado em caso de litígio internacional, onde sua defesa se torna mais difícil e custosa(64).

O raciocínio realizado por Jacob Dolinger deve ser aplicado ao consumidor. O consumidor é vulnerável na relação de consumo e hipossuficiente quando precisa exercer seus direitos, por isso a lei assegura a ele o privilégio de litigar em seu domicílio. Como necessita de um foro privilegiado nas lides sustentadas dentro do País, com mais razão precisa dessa proteção nos litígios internacionais, nos quais exercer seus direitos será ainda mais difícil, motivo pelo qual devemos considerar a norma que assegura em favor do consumidor a competência privilegiada do foro de seu domicílio como também determinante da jurisdição internacional.

A jurisprudência é pacífica em reconhecer como privilegiado o foro do consumidor para litigar com o fornecedor, inclusive ao entender inadmissível a eleição de qualquer foro que dificulte ou impossibilite o acesso do consumidor à Justiça.Cite-se, a título de exemplo, o seguinte aresto:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA – CLÁUSULA ELETIVA DE FORO LANÇADA EM CONTRATO DE ADESÃO – NULIDADE COM BASE NA DIFICULDADE DE ACESSO AO JUDICIÁRIO COM PREJUÍZO À AMPLA DEFESA DO RÉU – CARÁTER DE ORDEM PÚBLICA DA NORMA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INAPLICABILIDADE DO ENUNCIADO 33 DA SÚMULA/STJ. Tratando-se de contrato de adesão, a declaração de nulidade da cláusula eletiva, ao fundamento de que estaria ela a dificultar o acesso do réu ao Judiciário, com prejuízo para sua ampla defesa, torna absoluta a competência do foro do domicílio do réu, afastando a incidência do Enunciado 33 da Súmula/STJ. (STJ – 2a. Seção –Ccomp.19.105/MS – rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j. 11.11.1998)” (65)



Podemos assim afirmar que, tratando-se de conflito internacional de consumo, envolvendo consumidor brasileiro, será o foro de seu domicílio o competente para processar e julgar a demanda.

Especificamente no MERCOSUL, como vimos anteriormente, não existe nenhuma norma mercosulina para socorrer o consumidor brasileiro no que tange à fixação do foro competente, pois o Protocolo de Santa Maria não está em vigor(66).

Isso não significa, no entanto, que as disposições do Protocolo sejam inúteis. Como ensina Jacob Dolinger, as Convenções não ratificadas são também fonte de direito em razão de suas disposições normalmente de elevado grau de erudição e técnica, e muitas vezes levadas em consideração pelos poderes judiciários nacionais em seus julgamentos(67).

O Protocolo de Santa Maria enquadra-se perfeitamente nessa hipótese, uma vez que sua vigência aguarda somente a aprovação de outro texto jurídico (o regulamento comum sobre direito do consumidor no MERCOSUL), sendo manifestação legítima dos Estados-Sócios do MERCOSUL quanto à distribuição da jurisdição internacional no espaço do MERCOSUL. Tanto é assim que o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Brasil, por sua 3a. Câmara de Direito Comercial, valeu-se do Protocolo de Santa Maria em dois acórdãos para apoiar definições conceituais sobre consumidor e fornecedor(68).

Conseqüentemente, podemos afirmar que o Protocolo de Santa Maria respalda o entendimento de que o foro competente para se ajuizar demanda de consumo é o do domicílio do consumidor, pois o Protocolo privilegia o foro do domicílio do consumidor em seu artigo 4o., preocupando-se no artigo 3o. em definir o domicílio do consumidor: se pessoa física, o de sua residência habitual ou o centro principal de seus negócios; se pessoa jurídica ou ente despersonalizado, a sede principal da administração, ou o lugar onde funcionem filiais, sucursais, estabelecimentos, agências ou qualquer outra espécie de representação de pessoas jurídicas. Reforça essa conclusão a constatação de que na legislação consumerista dos Estados-Sócios do MERCOSUL, como no Brasil, o consumidor é reconhecido como vulnerável(69).

Deve ser frisado que, também na Comunidade Européia, o consumidor é protegido por foro privilegiado, através do Regulamento n. 44/2001, artigos 15-17, e da Convenção de Bruxelas de 1968, artigos 13-15, ambos instrumentos internacionais dedicados à jurisdição internacional e reconhecimento e execução de julgamentos em matéria civil e comercial(70). Essa tendência dos sistemas jurídicos de outros países assegurar foro privilegiado ao consumidor representa uma preocupação a menos para o jurista brasileiro, pois, quando do exame de competência indireto, pelos Judiciários estrangeiros, para reconhecimento e execução da decisão judicial brasileira, o exercício da competência pela autoridade judiciária brasileira não será óbice para a homologação da decisão brasileira.

Determinada a competência da Justiça brasileira para a solução da lide internacional de consumo, o processo se desenvolverá pelas regras estabelecidas pelas leis brasileiras, uma vez que em matéria de direito processual civil aplica-se a lex fori. A prática de atos no estrangeiro, se necessária, se dará mediante o tradicional sistema de cartas rogatórias e observará os tratados que o Brasil mantém sobre a matéria.

O desafio do internacionalista será com a execução da sentença brasileira, favorável ao consumidor brasileiro, no estrangeiro, caso não haja possibilidade de sua execução no Brasil, em razão do custo e do trabalho que isso pode representar. Essa impossibilidade de execução da sentença no Brasil por se dar, v.g., por falta de bens em território nacional que possam ser executados para satisfazer a uma condenação ao pagamento de indenização em dinheiro, ou por se tratar de uma condenação a uma obrigação de fazer a ser desempenhada no estrangeiro, como a prestação de serviços turísticos.

No MERCOSUL, a execução da sentença brasileira, como vimos no tópico em que abordamos o tema da cooperação judiciária no mercado comum, é facilitada pela carta rogatória executória. Mas o Brasil também mantém tratados internacionais com outros países, de modo a facilitar a execução das decisões judiciais brasileiras, podendo-se citar, a título de exemplo, a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, Montevidéu, 1979, Decreto n. 2.411/97, e o Tratado relativo a Cooperação Judiciária e ao Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil, Decreto 1.476/95, mantido com a Itália, entre outros.

5.2.1. FORO COMPETENTE EM CASO DE CONSUMO ATIVO.

Tratando-se de consumidor ativo, ou seja, do consumidor brasileiro que viaja para o exterior e lá consome, sem estar atendendo a um prévio e especial convite do fornecedor, ou não tendo o fornecedor organizado a viagem para consumo, nos deparamos diante de uma situação especial com peculiaridades próprias. O fornecedor não planejou contratar com consumidor domiciliado em outro país, e muitas vezes sequer sabe que o consumidor é domiciliado em outro país. O consumidor-turista é que se dirige ao Estado do fornecedor em viagem de lazer ou negócios e lá consome.

No MERCOSUL, o Protocolo de Santa Maria, mesmo se tivesse em vigor, não ampararia o consumidor ativo, pois o artigo 1o. frisa que a proposta de consumo tem que ser enviada pelo fornecedor ao consumidor.

Recentemente, como citamos acima, os Estados-Sócios do MERCOSUL firmaram o “Acordo Interinstitucional de Entendimento entre os Órgãos de Defesa do Consumidor dos Estados Partes do MERCOSUL para a Defesa do Consumidor Visitante”, no qual se comprometem os referidos órgãos a reciprocamente prestarem auxílio jurídico ao consumidor de Estado-Parte em visita a outro Estado-Parte no qual se envolva em conflito de consumo com fornecedor do Estado-Parte que visita.

Conclui-se, portanto, que os Estados-Sócios do MERCOSUL tendem a considerar o foro do domicilio do fornecedor competente para a demanda de consumo, quando a relação de consumo é celebrada por consumidor-visitante (ou ativo). A disposição é coerente com a regra de conexão mercosulina do mercado de destino para aplicação do direito material, pois ambas asseguram a aplicação da legislação consumerista vigente no território do Estado-Sócio para o qual se dirige à atividade do fornecedor, evitando assim que o fornecedor se sujeite eventualmente a uma legislação consumerista alienígena mais protetiva para o consumidor. Por sua vez, tais regras dificultam, e até impossibilitam, o acesso do consumidor à Justiça, pois obrigam o consumidor a litigar no exterior com todas as dificuldades que isso representa, especialmente em termos de custo, tempo e conhecimento do direito estrangeiro.

O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, como veremos mais a diante, em decisão paradigmática, considerou competente o foro do domicílio de consumidor ativo brasileiro para a lide com o fornecedor internacional. Além disso, considerou o Código de Defesa do Consumidor como norma de aplicação extraterritorial, como veremos mais abaixo.

Antes de analisarmos o leading case Panasonic, no entanto, passaremos a enfrentar a questão do direito aplicável a demanda de consumo internacional, uma vez que a decisão do Superior Tribunal de Justiça aborda tanto a matéria de processo internacional como a de direito internacional privado.

6. DIREITO APLICÁVEL À DEMANDA DE CONSUMO TRANSFRONTEIRAS.

O direito a ser aplicado à lide decorrente de relação internacional de consumo é matéria das mais importantes hoje em discussão, sempre que se enfrentam as questões suscitadas por tais conflitos, pois, ao surgir demanda envolvendo relação jurídica conectada a mais de uma ordem jurídica, nasce a necessidade de se resolver qual direito material deverá ser aplicado para deslinde do litígio.

O leitmotiv do Direito Internacional Privado é a realização da Justiça, materializado no respeito ao direito estrangeiro e nas situações constituídas sob a égide do direito estrangeiro, sempre que a lide decorrente de relações jurídicas conectadas a mais de uma ordem jurídica permita um conflito aparente de normas no espaço. Como ensina Jacob Dolinger, “a grande conquista do Direito Internacional Privado é a aplicação do direito estrangeiro sempre que a relação jurídica tiver maior conexão com outro sistema jurídico do que com o do foro”(71), pois o Direito Internacional Privado é o “Direito da Tolerância”, acrescenta citando outro grande mestre da disciplina, Werner Goldschmidt, Professor da Universidade de Buenos Aires.

O objetivo do Direito Internacional Privado é a realização da perfeita Justiça, e esse objetivo é alcançado ao considerar que as partes da relação jurídica constituíram essa relação sob determinada ordem jurídica estrangeira, sistema jurídico alienígena esse que dá força e efeito ao vínculo jurídico dos sujeitos da obrigação, de modo que a aplicação de outro direito, estranho a esta relação, pode dar causa a situações injustas, não previstas e não queridas pelas partes, subtraindo do Direito, como ciência e em sua filosofia, o seu axioma fundamental, e sua justificação como força pacificadora das relações sociais.

Para atingir seu objetivo, o Direito Internacional Privado se vale principalmente de regras de sobredireito, indicativas do direito material aplicável, no Brasil contidas principalmente na Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942.

Assim sendo, podemos a princípio pensar ser possível aplicar as regras de conexão para as lides internacionais de consumo e, nesse caso, constataríamos que os consumidores brasileiros com bastante freqüência estariam submetidos ao direito estrangeiro, v.g. quando compra algum produto pela internet de um fornecedor situado no estrangeiro, pois a proposta, que é veiculada pelo fornecedor através do website, à qual o consumidor simplesmente adere, será determinante para indicar a lei material aplicável, nos termos do artigo 9o., parágrafo 2o., da Lei de Introdução ao Código Civil(72). Ocorre que o consumidor brasileiro não conhece o direito consumerista estrangeiro, e esse direito pode se revelar menos protetivo do que o brasileiro e vir a causar prejuízo ao consumidor(73).

Não podemos, portanto, considerar adequado à utilização das regras de conexão rígidas previstas no ordenamento brasileiro, as quais partem do pressuposto que as partes envolvidas na relação jurídica estão em situação de igualdade, sem considerar a situação de vulnerabilidade do consumidor internacional.

Também não nos parecem adequados à proteção do consumidor princípios e regras baseados na autonomia da vontade, como previsto na Convenção Interamericana sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais – OEA – México - 1994 (74), face à situação de debilidade do consumidor, tanto jurídica, como econômica, que via de regra se limita a aderir aos contratos de consumo, sem nenhuma oportunidade de influenciar a formulação das cláusulas.

O princípio da proximidade para determinar a escolha do direito aplicável, o qual também é acolhido na Convenção acima citada como regra de conexão flexível, também não se mostra apto a proteger o consumidor, pois, como esclarece Jacob Dolinger, o contrato poderá estar mais conectado ao direito da parte mais forte e proteção e proximidade podem conflitar(75).

No plano internacional, vem vicejando a aplicação do direito do domicílio do consumidor nos conflitos decorrentes de relações internacionais de consumo, sempre que o fornecedor se dirija ao Estado de domicílio do consumidor a fim de obter a contratação, seja através de oferta, seja fisicamente, seja transportando o consumidor para seu país no intuito de fazê-lo consumir. A título de exemplo, podemos citar a Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, de 1980, firmada pelos Estados-Membros da Comunidade Européia, cujo artigo 5o é destinado aos contratos celebrados por consumidores(76), cujos termos garantem ao consumidor a proteção das disposições imperativas da lei do país em que tenha a sua residência habitual.

Esta tendência de se considerarem as normas de direito do consumidor imperativas, ou de ordem pública, nas relações internacionais de consumo, não representa necessariamente um retrocesso ao método unilateralista, o qual visa estender o alcance extraterritorial da norma interna desmedidamente. Como leciona Jacob Dolinger, as normas imperativas - mandatory rules - são adequadas aos princípios clássicos do direito internacional privado e são dirigidas à proteção da parte mais fraca. A missão dessas normas é a proteção da ordem pública por relevantes razões morais, jurídicas ou econômicas(77). Logo, nos parece ser bastante adequada a aplicação dessas normas na solução dos conflitos que estamos analisando, pois são coerentes com os princípios do Direito do Consumidor e do Direito Internacional Privado, sempre que for necessário assegurar a proteção do consumidor brasileiro.

A proteção ao consumidor brasileiro é direito fundamental, assegurado no artigo 5o., inciso XXXII, da Constituição Federal, e efetivada através do Código de Defesa do Consumidor o qual, em seu artigo 1o., dispõe serem as normas de proteção e defesa do consumidor de ordem pública e interesse social. Portanto, a aplicação do direito do consumidor brasileiro, nas lides internacionais, é imperativa. Logo, em conflito internacional envolvendo consumidor passivo brasileiro, será aplicado sempre o direito consumerista nacional e afastada a aplicação das regras de conexão brasileiras.

Especificamente no MERCOSUL, como já explanado anteriormente, possuímos uma regra de conexão mercosulina para relações intracomunitárias de consumo: a Resolução n. 126/94, a qual determina a aplicação do direito consumerista do mercado de destino do produto ou serviço(78). Seu conteúdo reforça nossa posição exposta no parágrafo anterior.

No entanto a adoção do critério da ordem pública para sempre justificar à aplicação da lei nacional do domicílio do consumidor não é conveniente para as relações internacionais, pois representa um fator de instabilidade para o fornecedor o que pode onerar ou desestimular tais relações jurídicas. Assim, o ideal é que os países que mantêm mais contatos comerciais, ou que possuam um mercado mais sedutor e acessível para o consumidor, disciplinem as questões de consumo mediante acordos internacionais. Parece-nos fundamental para o Brasil liderar esse processo de regulamentação internacional especialmente no Mercosul, a fim de propiciar a integração econômica(79).

Os tribunais brasileiros, especialmente o Superior Tribunal de Justiça, têm entendido ser as normas do Código de Defesa do Consumidor de ordem pública, imperativas, e de aplicação extraterritorial, ou seja, alcançam inclusive situações completamente constituídas no exterior, como veremos ao analisar no próximo tópico o caso “Panasonic” (80). Nesse leading case, o consumidor realizou contrato de compra e venda para aquisição de produto fabricado pela Panasonic Company integralmente celebrado e executado nos Estados Unidos da América. Pela regra do art. 9o. do Decreto-lei n. 4.657/42, o direito aplicável à lide seria o americano(81), uma vez que a obrigação foi constituída naquele país. Entretanto o Superior Tribunal de Justiça, sem fazer qualquer menção a esta regra de conexão, aplicou o Código de Defesa do Consumidor.

7. O CASO “PANASONIC”.

A importância da decisão que julgou o case Panasonic (82) reside no fato de o Superior Tribunal de Justiça possuir a missão constitucional de uniformizar a aplicação e a interpretação da legislação federal, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, sendo referência obrigatória para os demais órgãos judiciários brasileiros, e ser a decisão deste caso pioneira em matéria de consumo internacional.

O STJ, ao julgar esta demanda, decorrente de consumo ativo e internacional, precisou determinar a competência internacional brasileira, a legitimidade passiva ad causam da ré eleita pelo autor e situada no Brasil para responder como fornecedor, e o direito aplicável à lide (se o Código de Defesa do Consumidor brasileiro ou a legislação norte-americana), embora tenha ressaltado o acórdão que a decisão está fundada também nos elementos peculiares da lide. Sendo assim, servirá esta decisão de paradigma para futuros julgamentos de órgãos judiciários nacionais, bem como poderá inspirar julgamentos de órgãos judiciários dos Estados-Sócios do MERCOSUL. O leading case é o seguinte.

Plínio Gustavo Prado Garcia comprou uma câmara de vídeo da marca “Panasonic” nos Estados Unidos da América, fabricada pela Panasonic Company, com garantia contratual de um ano, que teria, segundo ele, apresentado defeito de fabricação.

Imputando à Panasonic do Brasil Ltda. subsidiariedade na responsabilidade pelo vício do produto com o fabricante, ajuizou ação na Justiça do Estado de São Paulo buscando ressarcimento pelos danos sofridos. Em primeiro grau de jurisdição, o processo foi julgado extinto sem julgamento do mérito, por entender o prolator da sentença ser a ré parte ilegítima para a causa, decisão esta mantida em segundo grau de jurisdição, em razão do que recorreu o autor à instância especial.

O acórdão do Superior Tribunal de Justiça, o qual cassou a decisão do tribunal paulista e deu ganho de causa ao recorrente, foi exarado no Recurso Especial n. 63.981 – SP (Registro n. 95.0018349-8), em 11 de abril de 2000, tendo como recorrente e advogado em causa própria Plínio Gustavo Prado Garcia, recorrido Panasonic do Brasil Ltda., e como relator designado para o acórdão o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Participaram do julgamento os Ministros Aldir Passarinho Junior (relator vencido), Barros Monteiro, César Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. A decisão foi publicada no D. J. de 20.11.2000, disponível integralmente na Revista do Superior Tribunal de Justiça, a.13, vol. 137, Brasília, janeiro de 2001, pp. 387-492, que traz a seguinte ementa, verbis:

“Direito do Consumidor – Filmadora adquirida no exterior – Defeito da mercadoria – Responsabilidade da empresa nacional da mesma marca (“Panasonic”) – Economia globalizada – Propaganda – Proteção ao consumidor – Peculiaridades da espécie – Situações a ponderar nos casos concretos – Nulidade do acórdão estadual rejeitada, porque suficientemente fundamentado – Recurso conhecido e provido no mérito, por maioria.

I – Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso país.

II – O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje ‘bombardeado’ diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.

III – Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos.

IV – Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes.

V – Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos.”



Primeiramente deve ser frisado que a ementa não é precisa ao afirmar, em seu inciso III, incumbir a Panasonic do Brasil Ltda e as empresas nacionais que se beneficiam de marcas mundiais, “responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam...”(grifo nosso), pois a Panasonic do Brasil Ltda., ré no processo e recorrida, sucumbente na instância especial, não anunciou, nem comercializou, o produto viciado que deu ensejo à lide e que se destinava ao mercado americano, como revela o voto do Min. Aldir Passarinho Junior. O produto viciado foi internalizado, trazido para o Brasil, pelo próprio consumidor.

Os ministros que julgaram favoravelmente a lide para o consumidor admitiram que a Panasonic do Brasil Ltda. era parte legítima para a causa, por um liame, segundo a ementa e o voto do relator designado, de natureza econômica, como frisa Claudia Lima Marques(83), mesmo nunca tendo fabricado, ou vendido, o produto, ou sequer o anunciado, no Brasil, ou no exterior. O produto adquirido pelo consumidor não tem similar no Brasil e se destinava ao mercado americano.

O vínculo econômico foi traçado pelos julgadores da instância especial apenas em razão da comercialização de produtos da mesma marca pelas empresas brasileira e americana, de modo a tornar a empresa brasileira apta a responder processual e economicamente pela relação de consumo litigiosa, consumo esse que beneficiaria em tese todo o grupo econômico transnacional, inclusive a empresa brasileira.

O voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar, no entanto, apesar de pouco extenso, traz outras justificativas, importantíssimas e que, lamentavelmente, não foram incluídas na ementa do acórdão. O Min. Ruy Rosado de Aguiar frisou em seu voto (e voto integra a decisão do Tribunal), fundado na Lei n. 8.078/90, ser a Panasonic do Brasil Ltda. pertencente ao mesmo grupo societário da empresa fabricante do produto viciado, ambas vinculadas à mesma matriz situada no Japão, - conforme admitido pela própria recorrida no seu arrazoado - e, portanto, responsável a empresa brasileira subsidiariamente pela qualidade do produto produzido pela empresa fabricante americana, em razão do art. 28, parágrafo 2o., do Código de Defesa do Consumidor.

Como os demais votos se centram mais nos aspectos econômicos do que jurídicos, entendemos que o voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar tende a se destacar por seu conteúdo jurídico mais consistente.

A questão abordada no voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar, embora ele não coloque nestes termos, é imprescindível para o deslinde da causa, pois é pertinente à questão da legitimidade passiva da ré - empresa brasileira - para causa fundada em relação jurídica mantida com outra pessoa jurídica, pessoa jurídica essa estrangeira e sem um estabelecimento filial no Brasil.

O artigo 28, o qual dá suporte ao voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar, estabelece a desconsideração da personalidade jurídica do fornecedor e a co-responsabilidade de pessoas jurídicas pertencentes ao mesmo grupo econômico, nas hipóteses e graus que arrola, em face do consumidor.

Zelmo Denari(84), ao comentar o citado artigo 28 e seus parágrafos, ressalta a inovação do Código de Defesa do Consumidor ao acolher a teoria da desconsideração da personalidade jurídica sem levar em conta, sempre e necessariamente, a fraude ou o abuso de direito, pois, segundo o citado artigo, a responsabilidade pela lesão ao direito do consumidor recairá sobre o acionista controlador e, no caso de grupo societário, nas sociedades que o integram, sempre que a personalidade jurídica do fornecedor for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, tornando as demais sociedades integrantes do holding parte legítima ad causam nas ações de responsabilidade civil promovidas pelo consumidor.

No caso de grupo societário, a responsabilidade das sociedades que o integram é disciplinada nos parágrafos 2o.,3o.,e 4o., do art. 28, que dispõe sobre a responsabilidade solidária, em via principal ou subsidiária, destas sociedades e das consorciadas e coligadas(85).

Essa disposição inovadora do Código de Defesa do Consumidor indubitavelmente autoriza ao Superior Tribunal de Justiça considerar a Panasonic do Brasil Ltda., assim como a Panasonic Company americana, pertencentes ao mesmo grupo societário ou econômico, considerando-as controladas pela Panasonic japonesa, fato que não foi negado pela Panasonic brasileira e foi reconhecido no voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar, e conseqüentemente, co-responsáveis as empresas do grupo pelos danos causados ao consumidor. Em seu voto, o Min. Ruy Rosado de Aguiar considera a existência do grupo societário baseado apenas na afirmação da própria empresa brasileira que assume participar do grupo econômico.

Quanto à natureza da responsabilidade, dispõe o art. 28, parágrafo 2o., que as sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações das filiadas; logo, possuem responsabilidade secundária, pressupondo uma responsabilidade principal, ao qual a secundária apóia ou reforça, desde que não seja a principal suficiente para atender a obrigação assumida(86). Tal tema não foi enfrentado pelo Tribunal. A principal responsável, a empresa americana, não integrou a lide, e a empresa brasileira foi condenada como se principal responsável fosse.

Cumpre ainda destacar que neste julgamento não foi questionada a competência da Justiça brasileira para a causa, prevalecendo assim as disposições do artigo 101, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, sobre as disposições do artigo 88, inciso I e Parágrafo único do Código de Processo Civil, apenas pelo fato do réu eleito pelo consumidor estar sediado no Brasil, apesar de não ser sucursal da pessoa jurídica americana e não ter participado da relação jurídica com o consumidor(87).

O STJ também aplicou o Código de Defesa do Consumidor brasileiro como norma de aplicação imediata, com efeito extraterritorial, para resolver a demanda, como revelado nos votos vencedores(88), apesar do contrato ter sido celebrado nos E.U.A. e da regra de conexão do artigo 9o. da Lei de Introdução ao Código Civil determinar a aplicação do direito do local da celebração do contrato.

Podemos então concluir, com base nesta decisão que, em matéria de litígio internacional de consumo: 1) O Superior Tribunal de Justiça não interpreta restritivamente o art. 88, I, e parágrafo único, do Código de Processo Civil, sendo, portanto, competente a Justiça brasileira sempre que a pessoa jurídica estrangeira, suas filiais ou coligadas, forem aqui domiciliadas, considerando o Código de Defesa do Consumidor, artigo 101, inciso I, como norma de ordem pública inclusive para determinar a jurisdição internacional do foro do domicílio do consumidor; 2) para fins do artigo 28 do CDC, existe grupo empresarial ou econômico, sempre que existir vinculação ou subordinação de fato ou de direito entre pessoas jurídicas; 3) O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, que estipula a responsabilidade subsidiária das empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, valoriza a solidariedade na responsabilidade pelos vícios do produto ou do serviço(89), dispensando a integração da empresa que seria a principal responsável na lide se para o consumidor for mais difícil contra ela exercer os seus direitos; 4) O Superior Tribunal de Justiça considera o Código de Defesa do Consumidor brasileiro como norma de ordem pública internacional, de aplicação imperativa e com eficácia extraterritorial a todo conflito de consumo internacional, e inaplicável nessas relações obrigacionais o disposto no art. 9o. da Lei de Introdução ao Código Civil.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ao concluirmos esta reflexão nos parece evidente que o consumidor brasileiro encontra ampla proteção no sistema jurídico nacional, inclusive quando se aventura em uma relação internacional de consumo, desde que o fornecedor, ou empresários a ele ligados e também considerados fornecedores, seja por terem participado da colocação do produto ou serviço no mercado, seja por pertencerem ao mesmo grupo empresarial, estejam ao alcance da Justiça brasileira.

A situação do consumidor brasileiro se complica, quando o fornecedor está no estrangeiro, pois só poderá se valer dos recursos do Direito Internacional Privado, com todas as dificuldades daí inerentes, como comentamos no desenrolar desse trabalho.

Sendo assim, nos parece primordial para o consumidor brasileiro o empenho das autoridades em regular as relações internacionais de consumo, especialmente através de convenções sobre jurisdição internacional e reconhecimento e execução de decisões estrangeiras, as quais deverão prover disposições que assegurem o efetivo acesso à Justiça para os consumidores passivos e ativos. Nesse tema urge a reedição do Protocolo de Santa Maria no MERCOSUL, uma vez que o consumo deve ser estimulado na região de modo a propiciar a integração econômica e melhoria nas condições de vida dos povos envolvidos nesse processo comunitário(90).

Outrossim, não podemos nos esquecer de adaptarmos regras materiais e processuais nacionais para a realidade do consumo internacional, inclusive facilitar ao máximo a possibilidade das partes litigarem sem se deslocar dos seus domicílios em virtude do custo que isso representa. Hoje, sustentar uma lide internacional em Juizado Especial Cível brasileiro, por exemplo, representa um custo exorbitante para o fornecedor internacional, caso ele não tenha representante no Brasil, pois, para não ser considerado revel, terá de comparecer a todas as audiências do processo(91). A proteção do consumidor brasileiro não deve resultar em situações iníquas, pois o objetivo da ordem jurídica é equilibrar a relação de consumo.

Por outro lado, nos parece muito salutar, para o melhor desenvolvimento da relação de consumo internacional, a determinação normativa das regras para estipulação do direito aplicável à lide de consumo, para tanto se criando regras de conexão específicas e convenções internacionais sobre a matéria. Essas regras devem evitar a utilização indiscriminada do Código de Defesa do Consumidor como lei com efeitos extraterritoriais, a fim de se evitarem situações injustas que, reiteradas, representarão óbice para o consumidor brasileiro firmar relações transfronteriças, seja em razão da elevação dos preços de produtos e serviços, seja pelo fato do fornecedor vir a evitar travar relação jurídica com consumidor brasileiro.

Por fim, cremos que chega a hora de pensarmos em desenvolver meios alternativos para a solução de conflitos internacionais de consumo, como já existem na Comunidade Européia, especialmente a arbitragem, no espaço mercosulino(92), pois facilitam em muito o exercício dos direitos dos consumidores. Não abordamos a arbitragem no nosso estudo, pois a arbitragem em relações de consumo no Brasil ainda é incipiente e encontra bastante resistência na doutrina.


NOTAS DE FIM DE PÁGINA:


O presente artigo foi baseado no livro A Efetividade dos Direitos do Consumidor no MERCOSUL e na União Européia, do mesmo autor, no prelo, publicado posteriormente ao artigo com o título Direitos do Consumidor no Mercosul e na União Européia: acesso e efetividade, pela Juruá.

O autor é Mestre e Doutor em Direito Internacional e da Integração Econômica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Na época do artigo também Professor Substituto de Direito Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Professor de Direito Internacional Privado e de Direito Empresarial da Universidade Estácio de Sá – UNESA e Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – ESAJ.

1. A dissertação é intitulada O Acesso do consumidor à Justiça no MERCOSUL e na União Européia e foi aprovada com nota dez, com distinção e louvor, pela banca examinadora presidida pela Professora Doutora Carmen Tiburcio, e composta pelos Professores Doutores Jacob Dolinger e Claudia Lima Marques.

2. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. S.Paulo:RT, 4a. ed.,2002, pp. 268 et seq.

3.Ver MARQUES, Claudia Lima, BENJAMIN, Antônio Herman V., MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor-Arts. 1o. a 74-Aspectos Materiais. SP:RT, 2003, Art.4o.pp.120-121.

4.Proteção ao Consumidor – conceito e extensão.S. Paulo:RT, 1994, p.108.

5.ARRIGHI, Jean M. Capítulo VII – Comercio internacional y protección del consumidor en América Latina. In STIGLITZ, Gabriel(Director).Defensa de los consumidores de productos y servicios – daños –contratos. Buenos Aires:Ediciones La Rocca, 2001, pp. 371-378, passim.

6.Consumidores. Buenos:Aires:Rubinzal-Culzoni Editores, 2003, pp. 72 et seq.: o autor critica tal estado de coisas e sugere a sistematização do direito do consumidor tendo por fundamento a relação jurídica de consumo.

7.Destinatário fático é aquele que retira o bem do mercado e o utiliza, independentemente se o faz no intuito de incorporar o produto ou serviço como insumo de sua atividade econômica. Para a Ciência Econômica quem adquire produto ou serviço como insumo não consome, mas sim investe. Sobre o tema na ótica econômica ver GALVES, Carlos. Manual de Economia Política Atual. 14a. ed. Rio:Forense Universitária, 1996 pp. 21, 47-49,54, 338, 395.

8.Assim o é na definição legal adotada nos ordenamentos nacionais dos países do MERCOSUL e latinos-americanos em geral, e nos países europeus. Ver em matéria de Direito Comparado, LORENZETTI, Ricardo Luis, op. cit. pp.78-83.

9.MARQUES, Claudia Lima. Contratos...op.cit.pp.252 et al, passim.

10.Devemos ressaltar, no entanto, que na jurisprudência brasileira encontramos algumas decisões que ampliam o conceito de consumidor, assim o considerando todo aquele que retira do mercado bem ou serviço independentemente do destino a ser dado ao bem ou serviço e a qualidade do agente: particular ou profissional. Consumidor, portanto, para essa corrente, é o destinatário fático do bem ou serviço, aquele que por último retira o produto do mercado. Essa corrente é denominada “maximalista”. Cite-se, a título de exemplo, o seguinte aresto: “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INCIDÊNCIA – RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. É de consumo a relação entre o vendedor de máquina agrícola e a compradora que a destina a sua atividade no campo. Pelo vício de qualidade do produto respondem solidariamente o fabricante e o revendedor (art. 18 do CDC). Por unanimidade, não conhecer do recurso (STJ – 4a. T. – Resp 142042/RS – j. 11.11.1997 – rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar)” (colhido in MARQUES, Claudia Lima et al. Comentários...Art.2º. p.83).

11.MARQUES, C.L. et al. Op.cit.p. 77.

12.MARQUES, Claudia Lima. Comentários...op.cit.Art.3o.p.94.

13.Nesse sentido CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 4a. ed. 2003. São Paulo:Malheiros. Cite-se, a título de exemplo do pensamento do autor, a seguinte passagem: 135. Consumidor por equiparação [...] A clássica dicotomia entre responsabilidade contratual e extracontratual foi aqui superada, ficando o assunto submetido a um tratamento unitário, tendo em vista que o fundamento da responsabilidade do fornecedor é o defeito do produto ou serviço lançado no mercado e que, numa relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente de consumo.(grifos nossos)(p.492).

14.MARQUES, Claudia Lima et al. Comentários...op.cit.Art.1o., p.54.

15.Sobre a adoção dessa nomenclatura veja, entre outros, JAYME, Erik e KOHLER, Christian. Europisches Kolisionsrecht 1999 – Die Abendstunde der Staatsverträge, IPRAX, P.404, 1999, apud MARQUES, Claudia Lima. Confiança no Comércio Eletrônico e a Proteção do Consumidor. 08-2004, S.Paulo:RT, p. 304-305.

16.Nesse sentido, entre outros, LORENZETTI, Ricardo Luís, op.cit., p.16-17.

17.Nesse sentido, MARQUES, Claudia Lima. A Proteção do consumidor de produtos e serviços estrangeiros no Brasil: primeiras observações sobre os contratos a distância no comércio eletrônico. In Revista de Direito do Consumidor, n. 41, jan.-março de 2002. S.Paulo:RT, pp.65-66.

18.COMISSÃO EUROPÉIA. Guia del consumidor europeo en el mercado único. Bruxelas, 1996, 2ª.ed.,pp.17-19.

19.Veja nossas sugestões para o MERCOSUL especialmente em matéria de Direito Processual Internacional em relações de consumo comunitárias in A Efetividade dos Direitos do Consumidor no MERCOSUL e na União Européia, Capítulo V e Anexo, no prelo.

20.Veja sugestão de Cláudia Lima Marques para uma Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado sobre alguns contratos e transações com consumidores, in Confiança no Comércio Eletrônico...op.cit.,p. 460 e segs. Cite-se que a Comunidade Européia possui extensa normatização em matéria de relações de consumo, v.g. o Regulamento 44/2001 sobre jurisdição internacional que traz regras de competência especiais para consumidores, e a Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, de 1980 que, em seu artigo 5o., trata de contratos celebrados por consumidores.

21.Para Nadia de Araújo, basta um elemento no contrato que o ligue a mais de um ordenamento jurídico para o caracterizar como internacional. ARAUJO, Nadia. Direito Internacional Privado.Teoria e Prática Brasileira. 2003, Rio:Renovar, p.312.

22.Doutrinadores distinguem esses contratos turísticos em contratos de corretagem, contratos de organização de viagem e contratos de viagem organizada, para atribuir-lhes diferentes efeitos jurídicos e responsabilidades em face dos consumidores, v.g. MAMEDE, Gladston. Agências, Viagens e Excursões. Regras jurídicas, problemas e soluções. Barueri:Manole, 2003, passim.

23.Sobre esse contrato ver MARQUES, Claudia Lima. Contratos de time-sharing e a proteção dos consumidores: crítica ao direito civil em tempos pós-modernos. Revista de Direito do Consumidor n. 22, p. 64-86.

24.Direito Internacional Privado (Parte Geral). 6a.ed.ampliada e atualizada.Rio:Renovar.2001, p. 2.

25.Nesse sentido NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo:Saraiva, 2004, p. 265.

26.Extraído de MARQUES, C.L., BENJAMIN, A.H.V., MIRAGEM, B. Comentários...op.cit. p. 292-293.

27.MAMEDE, Gladston. Op.cit. p. 45-46. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4a. ed. São Paulo:RT, 2002, p. 378-379.

28.In MARQUES, Cláudia Lima. Contratos...op.cit.p.379-380,nota 349.

29.MARQUES, Claudia Lima. Contratos…op.cit.p. 386-387.

30.In MARQUES, C.L., BENJAMIN, A.H.V., MIRAGEM, B. Comentários…op.cit.p. 606-607.

31.CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad, Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Fabris ed., 2002, p. 8.

32.O projeto dedicou-se a estudar o acesso à Justiça no mundo. A obra que usamos, segundo esclarecem os próprios autores, é um Relatório Geral. A pesquisa realizada sob os auspícios do Projeto de Florença resultou na publicação de quatro volumes, em dois dos quais a citada obra é baseada: CAPELLETTI, Mauro, GORDLEY J. & JOHNSON JR. E, Toward Equal Justice. A Comparative Study of Legal Aid in Modern Societies. Milão:Dobbs Ferry, N.Y.,Giuffré/Oceana, 1975; e CAPPELLETTI, M. & JOLOWICZ J. A., Public Interest Parties and the Active Role of the Judge in Civil Litigation. Milão/Dobbs Ferry N.Y., Giuffré/Oceana, 1975.

33.A Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos estipula no art. 6o., parágrafo 1o., que a Justiça que não cumpre suas funções num “prazo razoável” é uma Justiça inacessível. In CAPPELLETTI, M. GARTH B., op.cit.pp.20-21.

34.Op.cit.pp.31 et seq.

35.Os Livros Verdes são publicações da Comissão Européia sobre uma atividade ou problema específico, a qual, junto à exposição de dificuldades e eventuais soluções estudadas, direciona a Comunidade Européia e seus habitantes a um processo de consulta e debates para ao fim transformarem-no em ações concretas, seja através de programas específicos, seja através de atividade legislativa, como esclarece Aguinaldo Allemar in Legislação de Consumo no Âmbito da ONU e da União Européia, Curitiba:Juruá, 2002, p. 378.

36.Cf. COMISSÃO DA COMUNIDADE EUROPÉIA. Livro Verde sobre o acesso dos consumidores à Justiça e à solução de litígios em matéria de consumo no mercado único, COM (93) 576, final, 16.11.93,passim.; Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre reclamações dos consumidores em matéria de vendas a distância e publicidade comparativa, COM (2000) 127 final, Bruxelas, 10.03.2000; Livro Verde da Comissão sobre assistência judiciária em matéria cível: problemas com que se deparam os litigantes em processos transfronteiras,COM (2000) 51 final, Bruxelas, 09.02.2000; Livro Verde sobre a defesa do consumidor na União Européia, COM (2001) 531 final, Bruxelas 02.10.2001. Sobre o tema ver nossa obra citada, e, num enfoque de Direito Comunitário, PINEDO, Elvira Méndez. La Protección de consumidores em la Unión Europea – hacia um derecho procesal comunitário de consumo. Madrid:Marcial Pons ed, 1998.

37.Sobre o tema: KLAUSNER, Eduardo Antônio. A Efetividade dos Direitos do Consumidor no MERCOSUL e na União Européia, no prelo.

38.A organização das Defensorias Públicas se faz em âmbito federal e estadual.

39.Citem-se, a título de exemplos, os escritórios mantidos pelas Faculdades de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e da Universidade Estácio de Sá – UNESA, no Estado do Rio de Janeiro.

40.A maior complexidade da causa é determinada especialmente pela necessidade de produção de prova pericial plena para seu julgamento. No rito da Lei n. 9.099/95 não é possível a produção de prova pericial com as formalidades previstas no Código de Processo Civil.

41.Lei n. 9099/95, artigos 54 e 55.

42.Sobre a formação do MERCOSUL, suas características e seu direito institucional ver PEREIRA, Ana Cristina Paulo. Direito institucional e material do MERCOSUL. Rio:Lúmen Juris, 2001; ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de Almeida. Mercosul & União Européia – estrutura jurídico-institucional. 2a. ed. Curitiba:Juruá, 2001.

43.Tratado de Assunção de 1991, preâmbulo, segundo e sétimo parágrafos: “Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, por meio da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social; [...] Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados-Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens e serviços disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes;”.In RITCHER, Karina. Consumidor & MERCOSUL. Curitiba:Juruá, 2002, p.91

44.Órgão executivo do MERCOSUL, subordinado ao Conselho Mercado Comum (o qual é o órgão supremo do bloco), cuja atribuição é implementar as Decisões do Conselho Mercado Comum e fixar programas de trabalho para a condução do processo de integração econômica.

45.Assim a classifica MARQUES, Claudia Lima. Direitos do Consumidor no Mercosul: algumas sugestões frente ao impasse. Revista de Direito do Consumidor, n. 32, São Paulo:RT, out./dez de 1999, p.24.

46.“Artigo 2o. Até que seja aprovado um regulamento comum para a defesa do consumidor no Mercosul, cada Estado Parte aplicará sua legislação de defesa do consumidor e regulamentos técnicos pertinentes aos produtos e serviços comercializados em seu território. Em nenhum caso, essas legislações e regulamentos técnicos poderão resultar na imposição de exigências aos produtos e serviços oriundos dos demais Estados Partes superiores àquelas vigentes para os produtos e serviços nacionais ou oriundos de terceiros países.”

47.Na época, só o Brasil e a Argentina tinham leis específicas sobre direito do consumidor.

48.MARQUES, Claudia Lima. Direitos do Consumidor no Mercosul...op.cit.p.28.

49.Decisão Mercosul/CMC/Dec. 10/96.

50.Comitê Técnico da Comissão de Comércio – CT 7, com atribuição específica para estudar e propor medidas comunitárias de defesa dos direitos dos consumidores no mercado único, valendo-se da técnica européia de harmonização preconizada no Tratado de Assunção, artigo 1o.

51.Sobre as deficiências do Protocolo de Santa Maria e sugestões para a sua reedição ver nosso artigo Jurisdição internacional em matéria de relações de consumo no MERCOSUL. Sugestões para a reedição do Protocolo de Santa Maria. In http://ww.amb.com.br/imprensa/artigos/artigos.asp, ou a nossa obra já citada A Efetividade dos Direitos do Consumidor no MERCOSUL e na União Européia, no prelo.

52.Enquanto não houver convenção sobre a matéria, a citação e a intimação de partes situadas no MERCOSUL não poderá ser via postal, apenas por via de carta rogatória, sob pena de não ser considerado o ato válido, não produzindo efeitos, e, posteriormente, impedir o reconhecimento e a execução da sentença estrangeira. No Brasil, por exemplo, a ausência da observância da citação e intimação através de carta rogatória, obedecendo-se às formalidades legais, impede a homologação da sentença estrangeira conforme frisa DOLINGER, Jacob. Brasilian Confirmation of Foreign Judgments. In International Lawyer,V.19,n.3. Summer, 1985, A Quartely Publication of the Section of International Law and Practice/ABA, pp. 861-864.

53.Para uma profunda análise das cartas rogatórias executórias no direito brasileiro, trabalho no qual baseamos nossa pesquisa sobre o tema e seus reflexos no direito brasileiro, ver TIBURCIO, Carmen. As cartas rogatórias executórias no direito brasileiro no âmbito do MERCOSUL. In Processo de Execução. S.Paulo:RT, 2001, pp. 286 et seq..

54.No Brasil a autoridade competente é o Superior Tribunal de Justiça por força da Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004. Anteriormente a competência era do Supremo Tribunal Federal. O procedimento é regulado no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, arts. 215-229 e na Resolução da Presidência do Superior Tribunal de Justiça, n. 22, de 31.12.2004.

55.O processo de reconhecimento e execução de sentença estrangeira no Brasil, denominado homologação de sentença estrangeira, tem natureza de ação, mas não significa que o Superior Tribunal de Justiça analise a decisão estrangeira em seu mérito, ou vincule a sua homologação a observação de regras semelhantes ao do direito internacional privado brasileiro, ou exija reciprocidade. Pelo contrário, conforme frisa DOLINGER, Jacob, in Brasilian International Procedure Law. DOLINGER, Jacob, & ROSENN, Keith S., A Panorama of Brasilian Law. Miami:North-South Center and Ed.Esplanada, 1992, pp. 365-375, o Brasil adota o sistema italiano de giudizio de delibazione, só revendo a decisão em seus aspectos formais e controlando a competência internacional indiretamente quanto a considerada exclusiva no direito processual civil brasileiro, ou seja, a pertinente a ações que envolvam imóveis, ou a sucessão de bens no Brasil, não fazendo révision au found. Segundo o autor, no campo da cooperação judiciária internacional o Brasil tem sido o pioneiro em não exigir reciprocidade para a homologação de sentenças estrangeiras, na adoção do giudizio de delibazione, em não exigir que a sentença estrangeira observe regras de direito internacional privado semelhantes as suas para aplicação do direito estrangeiro, e tradicionalmente têm reconhecido e observado os direitos adquiridos internacionalmente. No entanto por se tratar de uma ação com rito próprio, o processo de homologação de sentença estrangeira é burocrático e demorado e, nesse sentido, as cartas rogatórias executórias simplificam o processo uma vez que tramitam pelo rito mais simples, adotado para obtenção de exequatur em cartas rogatórias.

56.As autoridades competentes para o reconhecimento e a execução de decisão estrangeira nos Estados do MERCOSUL são as seguintes: no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (vide nota 43); na Argentina e no Paraguai, o Juiz de Primeira Instância; no Uruguai, para o simples reconhecimento o Juizado de Primeira Instância, e para a execução a Suprema Corte de Justiça. Sobre o trâmite da carta rogatória executória na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, consultar: Cf. DREYZIN DE KLOR, Adriana, NOODT TAQUELA, Maria Blanca, DIAZ LABRANO, Roberto Ruiz, FRESNEDO DE AGUIRRE, Cecília, et al. Capítulos 11 e 12: Dimensión autônoma de los sistemas de reconocimiento de los Estados mercosureños. In FERNÁNDEZ ARROYO, Diego P. (coordinador). Derecho Internacional Privado de los Estados del MERCOSUR. Buenos Aires:Zavaglia, 2003, p. 475 e segs.

57.ARAUJO, Nadia. Direito Internacional Privado, ob.cit.pp. 251-260, passim.

58.Compartilhando o entendimento quanto à extensão dos benefícios da assistência judiciária gratuita prevista na legislação da cada Estado Sócio aos súditos mercosulinos, mas com base na Convenção Interamericana sobre exhortos ou cartas rogatórias ver VESCOVI, Eduardo. “Capítulo 8 – Aspectos genelares del sector del derecho procesal civil internacional”,p. 361, in ARROYO, D. P. F. (coordinador), op.cit. A citada Convenção foi ratificada por todos os membros do MERCOSUL, e prevê que as cartas rogatórias contenham informação quanto ao benefício da assistência judiciária. O texto da Convenção pode ser encontrado in DOLINGER, J. & TIBURCIO, C., Vade-Mecum...,op.cit.pp.217-219. O texto das Decisões MERCOSUL pode ser obtido em www.mercosul.org.uy.

59.É comum os procedimentos ajuizados pelos consumidores estarem sob pálio da gratuidade de justiça, especialmente em países que, como o Brasil, isentam os procedimentos simplificados de custas judiciais.

60.VESCOVI, E.,op.cit.p.397 e ARAUJO, Nadia. Direito Internacional Privado – teoria e prática brasileira. Rio:Renovar, 2004, p.495.

61.Disponível na íntegra no sítio www.mj.gov.br.

62.Adepto dessa posição com base em jurisprudência e doutrina SILVA NETO, Orlando Celso da. Direito Processual Civil Internacional Brasileiro. S.Paulo:LTr, 2003, pp.125-127.

63.JATAHY, Vera Maria Barrera, op.cit.pp.39-40, esclarece que a jurisprudência dos interesses e seus efeitos foi introduzida no campo do conflito de leis por Kegel, no qual o interesse juridicamente mais importante no caso concreto será o protegido e que, num esforço de harmonização de valores na aplicação do princípio, “alguns interesses são valorizados a priori por consenso nas relações internacionais. Podem ser citados como exemplos o interesse do alimentando no pedido de alimentos, o do consumidor no pleito por indenização em razão de danos sofridos que vêm tutelados nas leis internas e em convenções internacionais.”(grifo nosso).

64.Direito Civil Internacional- Volume I – A Família no Direito Internacional Privado – Tomo Primeiro – Casamento e Divórcio no Direito Internacional Privado.1997, Rio:Renovar, pp. 261-263. Com o mesmo entendimento, PONTES DE MIRANDA. Atualização legislativa de BERMUDES, Sérgio. Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo II, Arts. 46 a 153. 3a. ed., 2a. Tiragem,1995, Rio:Forense, p.275.

65.A ementa de acórdão do Superior Tribunal de Justiça brasileiro foi coletada in MARQUES, C.L., BENJAMIM, A. H. V, & MIRAGEM, B., op. cit. pp.638-639, 656, e 659-660, respectivamente.

66.Sugerindo a reedição e a vigência com nova redação para o Protocolo de Santa Maria nossa obra, no prelo, A Efetividade dos Direitos do Consumidor no MERCOSUL e na União Européia, e nosso artigo Jurisdição internacional em matéria de relações de consumo. Sugestões para a reedição do Protocolo de Santa Maria, in www.amb.com.br/imprensa/artigos/artigos.asp.

67.DOLINGER, J., Direito Internacional Privado – Parte Geral.Op.cit.pp.71-72.

68.Acórdãos ns. AC 2002.022015-4 de Sombrio e AC 2003.001897-2 de Blumenau, citados in MERCOSUL. SECRETARIA. SETOR DE ASSESSORIA TÉCNICA. CONSULTORIA JURÍDICA. Estudo n.003/04.Primeiro relatório sobre a aplicação do direito do MERCOSUL pelos Tribunais Nacionais e sobre a aplicação do direito nacional por meio dos mecanismos de cooperação jurisdicional internacional do MERCOSUL.15.07.2004, versão atualizada em 18.10.2004. Secretaria do MERCOSUL, Montevidéu. Elaborado pelos Drs. Alejandro Perotti e Deisy Ventura, p. 61-63.

69.Na nossa obra, no prelo, analisamos o foro do consumidor na legislação interna dos Estados-Sócios do MERCOSUL.

70.Ver sobre o tema nossa obra já citada, no prelo, capítulo 2.

71.Direito Internacional Privado...op.cit.p.269.

72.“Artigo 9o. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. Parágrafo 1o. Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. Parágrafo 2o. A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.”

73.Fabio Ulhoa Coelho em seu Curso de Direito Comercial, v. 3, 5a ed. Revista e atualizada de acordo com o novo Código Civil e a nova Lei de Falências, 2005, São Paulo:Saraiva, p. 42-43, defende essa posição e afirma que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro não se aplica ao contrato de consumo eletrônico internacional em razão da regra do artigo 9o., par. 2o., da LICC.

74.Ainda não ratificada pelo Brasil, in DOLINGER, Jacob & TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado – Vade-Mécum – Edição Universitária. 2a. ed. Revista e Atualizada. 2002. Rio:Renovar, p.

75.Evolution of principles for resolving conflicts in the field of contracts and torts. 2000, Hague Academy of International Law, Recuil des cours, v. 283 (2000), The Hague:Martinus Nijhoff Publishers, p. 415-416.

76.In DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Direito Internacional Privado – Vade-Mécum – Edição Universitária. 2a. ed. Revista e Atualizada. 2002. Rio:Renovar, p.477.

77.Evolution of principles...op.cit.p. 305-341, passim.

78.“Artigo 2o. Até que seja aprovado um regulamento comum para a defesa do consumidor no Mercosul, cada Estado Parte aplicará sua legislação de defesa do consumidor e regulamentos técnicos pertinentes aos produtos e serviços comercializados em seu território. Em nenhum caso, essas legislações e regulamentos técnicos poderão resultar na imposição de exigências aos produtos e serviços oriundos dos demais Estados Partes superiores àquelas vigentes para os produtos e serviços nacionais ou oriundos de terceiros países.”

79.Sobre a insuficiente proteção do consumidor pelas regras de direito internacional privado, ver o artigo de MARQUES, Claudia Lima. “A insuficiente proteção do consumidor na normas de direito internacional privado – da necessidade de uma convenção interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo”, em Revista dos Tribunais, ano 90, v. 788, jun. 2001, pp. 1-80, SP:RT. Ver também as sugestões de Claudia Lima Marques para uma Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado sobre contratos e transações com consumidores e para novas normas de Direito Internacional Privado nacionais, in Confiança...op.cit.p.

80.Nesse sentido, MARQUES, Claudia Lima.ver op.supracitada.

81.“Art. 9o. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem...”

82.No Capítulo 2 de nossa obra A Efetividade dos Direitos do Consumidor no MERCOSUL e na União Européia, no prelo, analisamos minunciosamente o acórdão e os votos de cada Ministro.

83.Entende a ilustre professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que o STJ alargou o conceito de fornecedor previsto na Lei n. 8.078/90, in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4a. ed., SP:RT, 2002, p. 354, opinião essa com a qual não concordamos uma vez que o próprio acórdão frisa que o tribunal está julgando segundo as peculiaridades do caso.

84.Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, vários autores, Seção V, pp. 203-210, Rio:Forense Universitária, 1999, 6a. ed.

85.“Art.28 – O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração. Parágrafo 1o. vetado. Parágrafo 2o. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. Parágrafo 3o. As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. Parágrafo 4o. As sociedades coligadas só responderão por culpa. Parágrafo 5o. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

86.DE PLÁCIDO SILVA. Vocabulário Jurídico, Vs. II e III, Rio:Forense, 4a. ed., 1995. Nesse sentido, também DENARI, Zelmo, ob. cit. p. 209.

87.Dispões o artigo 88 do Código de Processo Civil: “Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I – O réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III – a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. Parágrafo único. Para o fim do disposto no n. I reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica que aqui tiver agência, filial, ou sucursal.”. Processualistas como J.C. Barbosa Moreira (“Problemas relativos a litígios internacionais”. Revista de Processo, 65:144/61, SP:RT, p. 146) e Celso Agrícola Barbi (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 1, art.88, 6a. ed., Rio, 1991, p. 41) afirmam que o parágrafo único do art. 88 se refere apenas aos negócios realizados pelas filiais, agências ou sucursais no Brasil, e não os realizados por outros órgãos da empresa em outros países. Barbosa Moreira e Celso Agrícola Barbi fazem expressa referência ao art. 35, parágrafo 4o., do Código Civil de 1916, que dispõe que, se a administração ou diretoria da sociedade tiver sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder, disposição que é repetida no novel Código Civil, art. 75, par. 2o, limitando assim a hipótese do parágrafo único do diploma processual civil para as situações em que as ações decorram de atos da filial, sucursal, ou agência no Brasil, pois só nessas causas haveria interesse para ordem jurídica do país.

88.Nesse sentido: MARQUES, Claudia Lima. “A insuficiente proteção do consumidor na normas de direito internacional privado – da necessidade de uma convenção interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo”, em Revista dos Tribunais, ano 90, v. 788, jun. 2001, pp. 1-80, SP:RT.

89.Arts. 18 e 14 da Lei n. 8.078/90.

90.Sobre esse Protocolo, ver nossa op.cit.

91.Lei n. 9.099/95, artigo 20.

92.Abordamos esse tema na nossa obra que está no prelo e também no artigo A arbitragem na solução dos conflitos decorrentes de contratos nacionais e internacionais de consumo. Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, v. 61, out.-dez. 2004, também disponível no sítio www.jusnavegandi.com.br.