por Eduardo Klausner

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

SENTENÇA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO M.P. CONTRA A UERJ - CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES TEMPORÁRIOS IRREGULARMENTE - PROCEDENCIA PARCIAL DO PEDIDO (Processo n. 2007.001.149833-2)

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

JUÍZO DE DIREITO DA SÉTIMA VARA DA FAZENDA PÚBLICA

S E N T E N Ç A

Vistos etc.



MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO-MPRJ ajuizou a presente ação civil pública em face da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO -UERJ e do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, alegando que foram instaurados inquéritos civis para apurar denúncia de contratação irregular de pessoal realizada pela UERJ para o Hospital Universitário Pedro Ernesto – HUPE.

Alega que no curso das investigações foi comprovado que houve contratações irregulares pela UERJ para diversos de seus órgãos e não apenas para o HUPE desde 1994, quando ocorreu o último concurso para cargos administrativos. Alega que atualmente o número de contratados temporários está em torno de duas mil pessoas e que há profissionais contratados temporariamente desde o ano de 2000 para as mais diversas funções administrativas da UERJ. Afirma que ao invés de exceção, a contratação temporária tornou-se regra na UERJ, o que viola a ordem jurídica.

Dessa forma, requer liminarmente que seja determinado à UERJ que se abstenha de celebrar novos contratos temporários para o exercício de funções permanentes, bem como de prorrogar ou renovar os contratos temporários atualmente vigentes, sob pena de multa diária, bem como que seja determinada a realização de concurso público para o preenchimento de cargos que estão sendo sucessivamente ocupados mediante contratação temporária.

Por fim, requer seja declarada a nulidade das contratações temporárias realizadas pela ré para o exercício de funções de natureza permanente, seja a ré definitivamente condenada a não promover, prorrogar ou renovar contratações temporárias para o exercício de funções permanentes, bem como seja a ré definitivamente condenada a deflagrar concurso público para o preenchimento de cargos permanentes que estão ocupados ilegalmente mediante contratação temporária. A inicial de fls. 02-16 veio instruída com os documentos constantes dos volumes anexos ao processo (inquérito civil nº 5256 e 4613).

CONTESTAÇÃO da ré, UERJ, às fls. 28-34, argumentando, em suma, queda de sua receita e que enfrenta grave crise de manutenção e crescimento, pois o Estado passou a priorizar outros projetos. Alega que a criação de cargos permanentes não acompanhou o crescimento de suas atividades, com ênfase na área médica que, por imperativo de melhoria do atendimento à saúde, ampliou seus serviços.

Indaga o que acontecerá com os serviços médicos em curso, com os pacientes em processo de atendimento e outros serviços essenciais à saúde se ocorrer a suspensão de todos os contratos temporários.

Alega que vem se esforçado para prover sua estrutura básica de quadro permanente e que a Lei nº 4796/2006 reestruturou o quadro de pessoal da UERJ, contudo, para abrir concursos impõe-se a obtenção da recursos orçamentários que não tem sido repassados pelo Estado. Invoca o princípio da continuidade dos serviços públicos. Requer ao final a improcedência do pedido autoral. A contestação veio acompanhada dos documentos de fls. 35-71.

Às fls. 75-76 o autor apresentou réplica.

Contestação do réu, Estado do Rio de Janeiro, às fls. 108-130, pela qual alega, em síntese, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do Ministério Público, pois não há direito coletivo a ser defendido por este órgão, mas direito individual homogêneo, que não possui relevante interesse social e, portanto, não pode ser tutelado por ação civil pública, bem como a sua ilegitimidade passiva para figurar na demanda, uma vez que a contratações são de responsabilidade exclusiva da UERJ.

No mérito, alega que as contratações foram realizadas para atender a urgente demanda de pessoal e invoca o principio da continuidade do serviço público. Alega que a procedência do pedido autoral reverteria em prejuízo à população. Alega a impossibilidade de criação de novos cargos sem prévia lei específica e que não pode o poder judiciário determinar a atividade de outro poder, sob pena de violação da independência de poderes. Alega a ausência de previsão orçamentária para a realização de novos concursos. Requer ao final a improcedência do pedido autoral.

Manifestação do Ministério Público às fls. 132-135.

RELATADOS, DECIDO.

Rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público. Trata-se de demanda que envolve direitos transindividuais e de defesa do mandamento constitucional previsto no artigo 37, II, da Constituição da República que exige a prévia aprovação em concurso público para investidura em cargo público.

A violação de tal artigo afronta direito de pessoas indeterminadas, quais sejam, os já aprovados nos concursos realizados que não foram convocados para assinatura do contrato, estudantes que esperam a abertura de concurso público para se candidatarem a uma vaga, bem como da população toda que utiliza os serviços da UERJ que são prestados por profissionais contratados sem concursos público, que não tiveram seus conhecimentos aferidos e aprovados por meio idôneo, além da ordem pública.

Acolho a preliminar de ilegitimidade passiva do Estado do Rio de Janeiro, pois a UERJ é fundação pública e, portanto, possui personalidade jurídica própria, sendo ela mesma a administradora dos recursos que lhe são repassados, tendo o dever de realizar concurso público para contratação de funcionários permanentes.

Quanto ao mérito, o feito merece prosperar em parte.

Pelo inquérito civil nº 4613 acostado aos autos, constata-se que houve denúncias ao Ministério Público de pessoas que foram aprovados em concurso público para cargo permanente, mas assinaram contrato temporário com a ré. Há também denúncias de candidatos aprovados em concurso público que não foram convocados para assinatura do contrato, mas houve contratação temporária de funcionários para ocupação da função (documento de fls. 08-19 do anexo referente ao inquérito civil nº 4613).

Pelo que se constata dos documentos anexados pelo Ministério Público, há várias contratações temporárias cujos cargos estão sendo ocupados por anos seguidos, o que confirma que exercem função pública permanente sem terem sido previamente aprovados em concurso público (documento de fls. 10-18 e 21-32 do Inquérito civil nº 5256 e anexo I, volume II do inquérito civil 5256).

A contratação temporária é excepcional, de acordo com o artigo 37, IX da Constituição da República, e a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. A regra é a realização de concurso público para a investidura em cargo público, conforme determina o artigo 37, II da Constituição da República.

Portanto, várias contratações temporárias realizadas pela ré foram irregulares, pois não observaram mandamento constitucional, mormente que está evidente que os administradores da universidade deliberadamente optaram por manter na universidade os trabalhadores temporários em vez de observar o determinado constitucionalmente para a contratação de funcionários.

Porém, não se pode afirmar que todas as contratações temporárias foram irregulares, mesmo porque algumas foram eivadas pela ilicitude ao serem prorrogadas indevidamente. Por outro lado, deve-se atender ao princípio da continuidade do serviço público, logo não se pode permitir que, por irregularidade nas contratações feitas pela ré a população que utiliza seus serviços sofra com a sua paralisação caso se declare a nulidade de todos os contratos de trabalhadores temporários e se ordene os serviços realizados por estes trabalhadores cesse imediatamente.

As contratações temporárias irregulares foram feitas para a prestação de serviços de saúde, dentre outros e, portanto, retirar os servidores do cargo e, assim, paralisar os serviços geraria maior prejuízo à população do que mantê-los no cargo, ainda que, eventualmente, irregularmente.

Também não se pode dispensar os funcionários que possuem um contrato por prazo determinado antes do seu término, pois, apesar de terem firmado contrato temporário irregularmente, deve-se prestigiar a segurança jurídica e expectativa desses funcionários que contam com o trabalho e remuneração até o término do prazo do contrato.

No entanto, não se pode admitir a perpetuação de uma violação constitucional. Dessa forma, o melhor a fazer é manter-se as contratações temporárias durante o prazo de vigência dos contratos, proibindo-se a sua prorrogação e, após este prazo, dispensar os contratados temporariamente. Concomitantemente, deve a UERJ preparar-se para a dispensa dos trabalhadores temporários contratados e realizar concurso público para a contratação de pessoal para função permanente. Caso haja concurso público válido, deve-se convocar, conforme a necessidade do serviço, os já aprovados de acordo a ordem de classificação.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro posiciona-se neste sentido:



“0000678-40.2004.8.19.0076.DES. ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 05/04/2006 - SEGUNDA CAMARA CIVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO. ABSTENÇÃO DE NOVAS CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE CONCURSO PELA MUNICIPALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. Versa a controvérsia sobre a obrigação do Município réu de abster-se de fazer contratações temporárias para o cargo de atendente de saúde e, ainda, de realizar concurso público para o referido cargo. A Constituição Federal estabeleceu a regra de que o ingresso no serviço público somente poderia ser feito através de concurso público no artigo 37, II, com apenas duas ressalvas: os cargos em comissão (art. 37, V) e as contratações temporárias (art. 37,IX). As contratações temporárias devem atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, estando a Administração Pública subordinada à regra da contratação através de concurso público. A sentença recorrida nada mais fez do que atender a norma da Carta Magna que não vem sendo observada pelo Município. Não compete ao Poder Judiciário determinar o momento da realização do concurso público, mas apenas anular as contratações irregulares, o que implica que o município só realize outras quando entender conveniente instaurar o procedimento do concurso público. RECURSOS DESPROVIDOS”.



“2006.125.00009.DES. SERGIO CAVALIERI FILHO - Julgamento: 03/07/2006 - ORGAO ESPECIAL.ACAO CIVIL PUBLICA. SUSPENSAO DA MEDIDA LIMINAR. DEFERIMENTO SERVIDOR TEMPORARIO. CONTRATACAO IRREGULAR DE PESSOAL PARA O SERVICO PUBLICO. Agravo Regimental. Decisão que acolheu requerimento formulado pelo Município de Angra dos Reis, no sentido de suspender os efeitos de liminar deferida pelo Juízo da 2a. Vara Cível daquela Comarca na ação civil pública n. 2005.003.021.515-7, proibindo qualquer contratação temporária a partir de junho de 2004 e determinando a imediata substituição dos contratados por candidatos aprovados em concursos públicos. A imediata dispensa de 696 funcionários, sendo 588 nas áreas de saúde e educação é capaz de acarretar lesão à ordem e saúde públicas,independentemente da justeza e correção da decisão que as decretou. Essa constatação, tendo em conta o número de servidores, pode ser admitida independentemente de prova, pois uma óbvia regra de experiência comum autoriza este reconhecimento. Este procedimento incomum ao sistema processual não comporta a reforma da decisão atacada, mas apenas a suspensão temporária de seus efeitos. Ao deferir a pretendida suspensão, não está esta Presidência a antecipar o entendimento que será adotado pelo Tribunal no julgamento do recurso próprio, nem emitindo juízo de valor a respeito da solução encontrada pelo órgão "a quo" para o conflito de interesses. Desprovimento do recurso.”



Considerando o disposto nos artigos 12 e 19 da lei n. 7.347/85 combinado com o artigo 273 do Código de Processo Civil, e considerando ser juridicamente procedente a pretensão ministerial diante da flagrante ilegalidade da atuação administrativa da ré, e ainda evidenciar-se a existência de grave lesão a ordem pública e a economia da universidade, além do perigo real de prejuízo ao bom desempenho do serviço público e a saúde da população, impõe-se o deferimento da medida de urgência pleiteada na petição inicial para ordenar a ré que, independentemente do transito em julgado da decisão jurisdicional definitiva, se abstenha de celebrar novos contratos temporários para o exercício de qualquer cargo ou função permanente, bem como de prorrogar ou renovar os contratos de trabalho que estiverem findando, e que realize concurso público para provimento dos cargos que forem vagando com o encerramento dos contratos de trabalho dos trabalhadores temporários que ocupem a função e trabalho correspondente aos mesmos, sob pena de multa diária de R$20.000,00 e responsabilização pessoal do gestor público que descumprir a presente ordem.

Considerando que a parte autora decaiu de parte mínima do pedido, arca o réu com a sucumbência, nos termos do parágrafo único do artigo 21 do Código de Processo Civil.

ISTO POSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO autoral para: 1) deferir a medida de urgência pleiteada na petição inicial e ordenar a ré que, independentemente do transito em julgado da decisão jurisdicional definitiva, se abstenha de celebrar novos contratos temporários para o exercício de qualquer cargo ou função permanente, bem como de prorrogar ou renovar os contratos de trabalho temporário que estiverem findando, e para que realize concurso público para provimento dos cargos que forem vagando com o encerramento dos contratos de trabalho dos trabalhadores temporários que ocupam a função e trabalho correspondente aos mesmos, sob pena de multa diária de R$20.000,00 e responsabilização pessoal do gestor público que descumprir a presente ordem; 2) condenar a ré a não promover, prorrogar ou renovar contratações temporárias para o exercício de cargos e funções de natureza permanente, bem como para que realize concurso público para o preenchimento de cargos permanentes vagos conforme a necessidade do serviço e de modo a não prejudicar a prestação do serviço público, sob pena de multa diária de R$20.000,00 e responsabilização pessoal do gestor público que descumprir a presente decisão. Condeno a ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios que arbitro em R$1.000,00 (hum mil reais), conforme artigo 20, parágrafo 4º do CPC.

Julgo o processo extinto sem resolução do mérito com relação ao Estado do Rio de Janeiro, nos termos do artigo 267, VI do CPC.

P.R.I.C.



Rio de Janeiro, 23 de novembro de 2011.



EDUARDO ANTÔNIO KLAUSNER

Juiz de Direito




C O M E N T Á R I O


Esta sentença, que ora também é publicada neste blog, é a primeira de muitas outras decisões judiciais que postaremos, na certeza de que o estudo do caso concreto é imprescindível para o jurista.

Também é nosso intuito possibilitarmos ao nosso público não especializado em Direito, mas interessado nas diversas questões que chegam ao Poder Judiciário, uma melhor compreensão das demandas e da sua solução judicial. Nada melhor para tanto do que a íntegra da sentença, na qual encontra-se o relatório, verdadeiro resumo da lide, bem como a fundamentação do juiz, que analisa todas as questões postas para julgamento, assim como a conclusão do magistrado decidindo e solucionando o conflito. Por outro lado, também presta-se assim um serviço público, pois evita-se que informações equivocadas ou distorcidas sejam repassadas aos interessados e afetados pela decisão judicial, como aconteceu quando da segunda divulgação da decisão judicial por órgãos informativos da UERJ.

 A sentença prolatada em novembro deste ano de 2011 está sujeita a recurso, não transitou em julgado, e a decisão deferindo a medida de urgência pleiteada pelo Ministério Público foi suspensa pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro até o julgameto do recurso de apelação que vier a ser interposto, ou até o transito em julgado da sentença (com base na Lei n. 9.494/97).

Diferentemente do noticiado por órgão de comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ na internet, a decisão de primeiro grau de jurisdição não determina o encerramento dos contratos temporários em curso,logo, não ameaça o funcionamento da universidade.

A sentença e a medida de urgência nela deferida também não impede a contratação de professores visitantes, ou a contratação de professores-alunos pósgraduandos para realização do estágio docente exigido pelos programas de pós-graduação mantidos pela universidade (mestrado e doutorado). As referidas classes de professores não ocupam cargos públicos permanentes.

A decisão põe fim a ilícita conduta dos dirigentes da universidade, que contratam para os cargos públicos permanentes pessoas que não foram submetidas e aprovadas em concurso público, como foi provado pelo Ministério Público, numa verdadeira apropriação privada da res pública, sob a inverídica justificativa de urgência ou de necessídade temporária de excepcional interesse público.

A decisão judicial preserva, assim, a integridade da universidade pública e a qualidade dos serviços por ela prestados. Outrossim, assegura que os cargos da universidade estejam acessíveis a todo aquele que estiver qualificado para o mesmo, (e não apenas aos apadrinhados e indicados para o mesmo segundo critérios subjetivos dos gestores públicos), cuja capacidade deverá ser aferida apenas em concurso público regular e imparcial como determina a Constituição Federal. 


5 comentários:

  1. gostaria de saber como está a situação atual do processo, pois a uerj está realizando uma série de novos contratos, inclusive para cargos que tem concurso realizado ainda no prazo de validade, com candidatos aprovados aguardando convocação.

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    1. Juiz Eduardo A. Klausner12 de setembro de 2014 às 14:25

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  3. Este espaço para comentários dedica-se aos que desejam discutir o conteúdo da decisão jurisdicional, e não para reclamações concernentes a outros temas ou sobre o andamento de processos em geral.

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  4. O Reitor, que entrega o cargo semana que vem, fez acordo com o MP através de uma TAC. Prestem atenção.
    http://www.procuradoria.uerj.br/?p=3516&preview=true

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